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sexta-feira, 29 de julho de 2022

Conto: Museu dos Deméritos Humanos

Sabemos de grandes feitos e descobertas humanas, da filosofia, artes e ciência. Todavia, havia um museu o qual o rememorar era exclusivo a tudo que lhe era oposto, uma viagem no tempo dos erros, não acertos. Uma alusão a ilusão de humanidade que alguns eram.

Para eles o presente era feito de eventos de dados viciados. Repetiam o passado até que algo disso repetido pudesse ser repetido novamente, indefinidamente, ad nauseam, pois os erros era um moto perpétuo ao reacionário. O presente (e futuro) era uma colagem plagiada do passado, em artificialidades que apenas batia o recorde na revolução da mesmice. Era o pretérito como muletas do velho que incapaz de atingir o futuro arrasta o passado consigo. Por mais que estivessem no presente o passado não saiam dele, pois era uma parte descolada do passado que se arrastava para o futuro. E aquele museu era seu manual, um templo ao culto passadino do pretérito viciado em todas dores e deméritos. Erguido como um templo por isso, reunia uma mescla arquitetônica de vários períodos, do europeu medieval ao egípcio e sumério. Um amálgama passadino numa colcha de retalhos de concreto, um mausoléu vivo aos erros humanos compilados como script ao futuro. 

Cada galeria tinha setores aos grandes déspotas e tiranos da história, nos detalhes de suas maiores atrocidades. Doutra parte toda multiforme criatividade humana esgotada em modos inventivos de tortura, da coleção de cruzes, as máquinas que esticavam as partes do corpo até desmembrá-los. 

Havia lá todas as técnicas também "modernas", da cadeira elétrica a cadeira sem fundo onde uma corda com bolas batiam no saco do torturado a aclamada toalha na cara com água de garrafa para simular afogamento. Era tudo novo, de novo, para sádicos que naquilo se esbaldavam. Os reacionário davam um pequeno passo lá dentro, mas um grande salto retrógrado ao passado! Um pedacinho afável do inferno a todo o séquito de sádicos.

Um setor especial eram ao dos escravos e das experiências e campos de extermínio nazistas, Joseph Mengele era um deus que imponente tinha na sua sala uma estátua de cera fitando a infinitude reacionária do passado. A novidade original era apenas novas formas de crueldade descobertas no passado, dos gregos o rememorar era a reivindicação da autoria do futebol, jogado com a cabeça de perdedores.

– Zé Mengele é minha maior inspiração –  comentou José Faro Lima ao ver Mengele. – A originalidade e autêntico devem ser combatida por isso, pode colocar toda essa maravilha em risco. Uma pena não haver aqui empalhada as raças inferiores que deveriam ter sido extintas. – Completou ele com seu amigo de caçadas sociais como estupradores sexuais.

– Quem sabe num mundo paralelo? – Comentou ele dando um tapinha no ombro dele.

Seguiram a diante e adentraram o setor do Reino do Terror dos jacobinos do iluminismo. Era uma das salas prediletas deles que apenas lamentavam não haver artefatos conhecidos para dedicar um espaço também a Sodoma e Gomorra. Mas restava se esbaldarem na galeria de armaduras e objetos dos gladiadores de Roma. Ao entrar imaginavam mesmo o grito das audiências de bezerros da plateia cujo niilismo era o prazer de ver o lobo pegar alheios, Panem et circenses! Caminharam com acuidade aos setores de religiões primitivas onde sexo cultual e sacrifícios humanos eram realizados. Lá haviam artefatos maias utilizados para extrair o coração de vítimas ainda vivas como sacrifício para que o Sol nascesse mais uma vez.

As estratégias de guerra também eram louvadas, das toras empaladoras aos cercos que sitiando fortes inteiros faziam mulheres e crianças morrerem famintos para não serem massacrados. Toda mudança era feita apenas para manter o passado reorganizado, o Déjà Vu disso era o resultado.

– Gengis Khan jogava os inimigos deles em catapultas contra seus adversários. Imagine as imagens deles sendo despedaçados. – Falou Zé Nossab.

– Prefiro a galeria dos serial killers, tem todos nomes, e lá tem recriação mesmo das roupas das prostitutas mortas por Jack, o Estripador. – Repercutiu Zé Faro Lima quase tendo uma ereção no setor de torturas sexuais, pois o estupro era uma das mais antigas armas de guerra aos povos invadidos e dominados.

Poucas vezes os dois Zés se sentiram tão vivamente entusiasmados, ofegantes em rememorar as dores dos milhares de mortos dessa tortuosa história humana em seus maiores horrores.

– Todos temos em nós uma centelha do Inferno, Zé Nossab. O efeito Lúcifer prova isso. As pessoas não são inteligentes o bastante para entender nossas necessidades hediondas antissociais. – Completou ele com seu amigo assentindo. – Sofres pois vives ante a negação da morte.

Os passos deles se ouviam nas galerias por onde passavam. Galerias sobre a Bastilha e masmorras medievais, calabouços e manicômios tenebrosos do século XIX e mesmo um espaço especial para os trens de loucos para o hospício de Barbacena ao lado do setor da Colônia Dignidad, do Chile.

Tudo até que na última seção viram eles um homem que entusiasmado notou estes debatendo sobre as atrocidades humanas e os interrompeu.

– Sabe, isso tudo me traz memórias muito vivas, por isso investi meu patrocínio na construção disso. Dinheiro de gerações criaram esse memorial, um revival a vidas que fizeram esse mundo ser mais divertido ante o tédio da bondade e amor mútuo. – Completou. – Pense num mundo onde tudo isso voltará ser a realidade? Eternamente! Um devir de todos males numa transcendência infernal. Há muitas potenciais possibilidades aqui. Ditaduras fascistas, nazistas, a tiranias monárquicas e impérios despóticos ao totalitarismo e absolutismo, há futuros onde todos são remendados entre si pelo união as raízes dos males passados.

– O senhor deve ser um herdeiro muito nobre para investir nisso. Bom gosto! – Respondeu Zé Nossab e o homem continuou.

– Tudo que existe de mal tem um paralelo com o passado, pois há um mal primordial ancestral, o ideal da crueldade primeira do qual o declínio deu lugar a tolice da bondade, afeição mútua e remorso, tornando o ser humano dócil e preguiçoso. – Comentou o misterioso homem que vestia preto. – Ansiamos apenas a volta a esse mal primordial. 

Ele acreditava que a bíblia era mentira, pois para ele a vida surgiu de um mal primordial, de um caos extremo, apenas para o sofrimento. Pois o sofrimento como força primordial apenas era possível através da vida.

A bondade, o amor e o carinho eram imperfeições que maculam em facilidades a vida que surgiu do sofrimento para a dor. O mais puro prazer e deleite é o sofrimento, sendo sádico ou masoquista. O sofrimento é o fogo que purifica a vida da fraqueza dos manjares do amor.

Os dois homens ficaram empolgados com a história mítica do patrono do museu das dores humanas.

– Muito sábio o senhor, obrigado por encontrar alguém com tanta grandiosidade. Qual seu nome?

– Osak. – Respondeu ele apertando a mão deles. – A hora que quiser visite nosso recanto secreto no Buraco da Cruz, onde apenas perdidos e gananciosos preconceituosos acharão.

Os homens sorriram felizes daquele fel de pessoa e partiram inspirados a mais atos sexualmente predatórios. O passado em seus deméritos era o futuro!

Conto  da antologia "Verboversos" de William Fontana (Gerson Machado de Avillez). 

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