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domingo, 12 de junho de 2016

Trecho de 'A Genealogia da Maldade'

A seguir um trecho do capítulo A Genealogia da Maldade, do livro 'Memórias de um Ilustre desconhecido' de Gerson Avillez.

A definição da maldade se torna subjetiva ante a relativização da moralidade na variedade cultural do mundo, mas evidente que tenha alguns traços característicos que torne possível sua identificação, esse é objetivo central do autor, identificar o mal comum em todas culturas por traços comuns por meio de parâmetros e por vezes paralelos (doença). Mesmo vendo que estou mais declinado a aceitar a moralidade judaico-cristã busco uma interpretação imparcial que seja multifacetada em várias culturas, sem utilizar de Teodicéias - a existência da maldade não exclui Deus - para explicar a maldade.

    A moral pode ter sido relativizada, mas a ética não, usando-a como ponto fixo norteador podemos ter melhores definições da maldade e bondade dentro dos aspectos éticos de um Ethos ao menos. A ética faz parte da mente política, toda lei é ética, mas nem toda ética é lei, são representações da moral institucionalizadas no sistema.

    Sabemos que mesmo havendo dois tipos mais comuns de ética, a ética utilitária (de John Stuart Mill) e a de dever (de Immanuel Kant), compreendemos o uso formal da ética sob a premissa de não fazer com o próximo o que não queira que faça contigo assim como o modelo de  ética acadêmica e profissional.

    Convém ao filósofo buscar pela ética o resgate de características norteadoras universais para a maldade e a bondade como modo de postular uma definição não menos universal do certo e errado. Um trabalho polêmico graças a antropologia, todavia de muita importância, de modo que aquele que resolver a problemática do mal, como antiga questão da filosofia estará respondendo à pergunta de um milhão de dólares da humanidade. A maldade acontece tanto quanto a bondade, tenho convicção disso.

    A problemática do mal não fora resolvida com a relativização da moralidade ante a diversidade de culturas, na verdade isso apenas acentuou o problema a exemplo da culminância da crise de valores que levam a graves problemas existenciais e representativos.

    Ser existencialista é ser um filósofo com alma de poeta. Só maquinas não possuem problemas existenciais, pois o problema central do existencialismo é a crise de valores que deve ser resolvido emergencialmente. O filosofo existencialista assim sempre será idealista pois o materialismo coloca preços, o idealismo coloca valores. A maldade também é um problema existencialista e ético pertinente a filosofia, o que restou a filosofia após suas crias serem desmembradas dela.

    A crise de valores numa sociedade pode criar problemas tão agudos que são capazes de atingir a economia. Um exemplo disso é a falência moral que se instalou no aparelho político brasileiro pela corrupção não sendo inerente a um partido mas de modo generalizado a atingir a credibilidade de tal modo que gera-se uma crise econômica. A ausência de pontos norteadores de moralidade com inerência ao certo e errado afeta profundamente o emocional (o moral) de um povo. O mesmo pode se aplicar a família, igreja, a sexualidade e etc. O fato é que a degeneração moral pode destruir países e povos de modo que os únicos males a ser combatidos devem ser os que atingem a moral e a honra o único adversário concebível e que pelos padrões que seguem indica ter vida própria e um propósito deliberado.

    Para isso talvez seja preciso retroceder na linha temporal compreendendo uma desconstrução genealógica da maldade cujo parâmetro aparenta ser o próprio inferno de aflições, medo e dúvida.

    O fascínio de alguns pelos vilões mesmo de cinema traduz não somente a busca destes por um fiapo de humanidade neles e um desejo inconsciente de conquistar sua afeição e empatia. Sobretudo uma tentativa subconsciente de compreendermos e buscar ainda que um pouco de bondade nesse mal como a incansável fé humana no melhor. Não se trata de identificação, mas a busca de parâmetros para procurar compreender o porquê de serem assim ainda que muitas vezes não haja porque, pois, o mal em estado puro é sem motivos.

    A humanidade sempre teve como uma de suas perguntas mais essenciais o que é a maldade? De onde vem e por que “existe”? Dos serial killers, aos atos dos líderes mais vis com suas mentes deturpadas levaram a massacres, torturas com um calculismo avassaladoramente cruel. Mas enquanto um impulso e os instintos possam levar a um ato de maldade dentre estes surge ideologias e filosofias que levam essencialmente a atos reprovados pela humanidade como inúmeros genocídios.

    Na encruzilhada de duas eras temos que aprender a ter o melhor de dois tempos, o velho e o novo, não provocar um choque temporal e de Ethos de ambos.  A crise de valores denota problemas conceituais nas definições de certo e errado. Mas a ausência de âncoras a moralidade talvez seja a força motriz por de trás dessa crise. Identificar pontos fixos da moralidade é imprescritível a uma sociedade em crise de valores como nunca antes, pois graças a aspectos básicos da moralidade que são a base que torna possível a sociedade, sobre princípios de cooperação e reciprocidade ela é baseada, assim como os fundamentos das leis, pois a uma compreensão do Ethos comum as maiorias ao contrário de minorias que espalham o medo, como medidor razoável para ambos – o mundo é mal, mas a maioria dos que nele habita são legais. Assim como heroísmo, a vilania, somente se atribuem comumente por ações de bondade/maldade. A Bondade é uma flor que nasce apenas no solo fértil da moralidade. É inútil fingir estar certo quando se quer destruir a moral que determina isso. Mas a bondade se justifica a si mesma, enquanto a maldade precisa de pretextos.

    Para identificar um mal universal torna-se preciso estabelecer paradigmas que forneçam modelos. Assim como características como caridade e altruísmo podem ser atribuídos como atitudes de bondade, conhecer a bondade torna possível a conhecer e mensurar o mal. Lembrando que mesmo maus, assim podem ter momentos e algumas atitudes de bondade de modo que o fator determinante seja o conjunto de tais características. De exemplos que vive o padrão e convenhamos a exceção também é exemplo que pode perfeitamente ser padronizada dentro de certo âmbito.

    A maldade é um problema inerente a corrupção moral e de consciência humana que pode se manifestar mais facilmente em condições socioeconômicas inadequadas ainda que não haja um padrão. Toda pessoa má não se importa com os fracos e oprimidos, com ninguém, de modo que a apatia sentimental pode ser um dos caminhos a maldade, assim como seu extremo oposto, pois a maldade sempre paira nos extremos. Mesmo na política direita ou esquerda, aos extremos sempre conduz a variação da mesma ditadura, uma fascista outra totalitarista.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Conto: O Diabo, o Bruxo e a Permissão do Deus todo-poderoso

 A seguir o conto completo 'O Diabo, o Bruxo e a Permissão do Deus todo-poderoso' do livro 'Todas Formas de Sonhar' de Gerson Avillez.

Século XIV, Algum lugar de Portugal
Henrique Keystone era valoroso cavalheiro real mesmo após a morte do Rei Felipe e combatente da heresia no mundo. Não havia inquisição, mas desde quando os execrável Ordo Pauperum Commilitonum Christi Templique Salominici, os templários, foram entregues por heresia pelo rei Filipe, o Belo, e o papa Clemente V, Henrique tratou de cumprir os mandatos de prisão na região onde atuava e, ele mesmo, prendeu ‎Jacques de Molay, o último grão-mestre dos templários.
    Da fatídica sexta-feira 13 de 1307, as severas acusações aos templários suscitaram revolta popular pois eles tripudiariam sobre a cruz e realizariam rituais de sodomia secretamente e, segundo alguns, até mesmo envolvendo camponeses que lhes foram vítimas. O fato porém, é que Henrique pouco acreditava nisso tudo quando retornou a seu lar, em Portugal, pois suas convicções diziam que eles talvez tivessem monopolizando economias de modo a colocar em risco a hegemonia do reinado de Filipe, o Belo.
    O Priorado de Sião não se manifestou, mas dias antes rumores diziam que eles pegaram muitas relíquias os quais os templários guardavam, relíquias estas dentre os quais a misteriosa lenda do Santo Graal. Fosse fato ou mais um rumor infundado que permeava a população Henrique sabia que alguns dos templários fugidos haviam se escondido em Portugal junto a um líder que era membro do Priorado de Sião, o que não lhe fazia sentido uma vez que o Priorado que fundou a Ordem Templária, não era igualmente acusada de heresia e tais crimes insidiosos cometidos pelos infames cavalheiros.
    A árdua cavalgada de Henrique pela região não esperaria rumo a seu lar, porém, encontrar a fortuita estirpe de fugitivos restantes dos templários enquanto outros demais simplesmente desapareceriam sem deixar rastros. Era uma sexta-feira quando Henrique perfilou os fugitivos a distância e, em silêncio, seguiu os acossados cavalheiros extintos.
    Havia um distinto homem de capuz branco aparentemente cercado por um mote desses cavalheiros que estavam descaracterizados de suas vestes padrões, mas reconhecíveis por alguns apetrechos enquanto se esgueiravam soturnamente pelos vales da região de Trás-os-Montes de terras lusófonas. Ademais ao cair da noite, Henrique que havia desviando-se de seu trajeto junto a mais dois cavalheiros que era de sua mesma região observavam agora no escuro os homens caminharem com tochas acessas até uma cabana aparentemente abandonada onde acenderam uma fogueira e o qual tons sinistros esfacelavam qualquer esperança de que não fosse nada austero daqueles cavalheiros que haviam sucumbido em sua capitulação. Talvez fossem salteadores que se apossaram de armamentos e armaduras dos cavalheiros, indagou um dos amigos de Henrique.
    Porém, numa olhada mais próxima contemplaram que nove funestos homens presentes pareciam realizar algum ritual tenebroso em todo da fogueira quando revelou-se ter uma camponesa e um camponês que foram agarrados de supetão quando saia da cabana. Agora desnudos a mulher e o homem eram sodomizados pela infâmia dos cavalheiros, confirmando todos os temíveis rumores e acusações. Aquele era o momento de ataque, os cavalheiros extintos estavam vulneráveis sem suas armas enquanto realizavam o infame ato sexual forçado com sinais de estarem em meio a uma adoração vil e execrável de algum demônio agora desvelado e tendo Deus e as estrelas como testemunhas.
    Henrique desembainhou sua espada e deu ordem a seus amigos cavalheiros descerem a colina, cada qual de um lado para surpreende-los num ataque que os renderiam ou os matariam. De modo que sucedeu os deixando em polvorosa.
    De imediato dois homens que coitavam o camponês fora mortos no ato sexual com seus membros sexuais ainda eretos vergonhosamente assim como os que realizavam o coito na mulher que fora degolada por um dos que tiveram tempo de pegar uma adaga.
Seguiu-se um breve embate que pela surpresa fora a derrocada dos infames homens, mas que deu tempo para que o homem de capuz branco, porém, fosse protegido de tal modo que dois fugiram com ele carregando algo numa bagagem sobre sua montaria.
    A perseguição agora justificada que seguiu, fora por montes sob a luz do intenso luar, os ignóbeis uma vez expostos mais do que nunca estavam dispostos a matar ou morrer pois seus atos infames não resistiriam a luz da exposição do que antes lhe era realizado em oculto. Estropiados pela longa jornada o qual eram fugitivos oficiais Henrique engendrou um ataque quando estes adentram as ruinas de um antigo templo na região.
    Não houve tanta resistência destas vez, os algozes dos pobres camponeses estavam encurralados de modo que os dois cavalheiros que vociferavam a ojeriza pelo mando de prisão davam tempo para que o líder fugisse por entre as ruínas abandonadas naquela região.
    Mas um breve embate se seguiu com a morte dos dois fugitivos até que Henrique empunhando sua espada seguiu firmemente encontrando-o exasperado evocando palavras não conhecidas quando fora rendido. Com envoltura o homem parecia urgir palavras com um olhar funesto que inebria a si próprio num tom sinistro quando ergueu uma espécie de amuleto e disse em português, “agora conhecerão o mundo segundo nossa visão, nosso desejo e vocação”.
    O homem então gargalhou provocando arrepios mesmo nos bravos companheiros de batalha, algo que subia até a cabeça como um frenesi tenebroso. O homem virou então o amuleto e degolou a si próprio derramando seu sangue pagão sobre o mesmo artefato e caiu seu corpo sem vida junto ao objeto.
    Henrique abaixou-se e pegou o amuleto para constatar que fora uma peça roubada anos atrás de um cardeal, Alexis Anor Zanini, e agora usada para rituais pagãos, verificou então o corpo e abaixou por completo o capuz iluminando seu rosto com as tochas que carregavam para perceber que era Rene de Hugolin, um membro pouco conhecido do Priorado de Sião, o dito que teria desaparecido após a excomunhão dos templários.
    Perplexo, Henrique guardou o artefato o envolvendo num tecido e seguiram para o exterior daquele lugar quando ao observar o lugar algo não parecia se enclavinhar nos rincões de sua realidade. O famélico homem morto parecia ter lhes conduzido a um lugar que não lhe era o que tinha se conduzido. Um lugar diferente quando então viram centenas de cavalheiros templários se aproximando. De onde viriam uma vez excomungados. O que antes era vantagem agora se tornou desvantagem tendo em vista que estavam cercados num templo que não era ruínas, mas fortificado por dezenas de templários.
    - Quem são, e de onde vieram? – Indagou um dos templários ao vê-los e fazendo-os engolir a seco.
     Naquele instante outro cavalheiro gritava para trazer os camponeses escolhidos a força para um ritual de sodomia e veneração a um demônio que se aparentava a um bode e era carregado abertamente diante de todos. Mais soldados apareceram e lhe renderam forçando-os a entregar suas armas, fosse o que fosse não estavam mais em seu mundo, mas um mundo vil perpetrado por templários cercado de bandeiras com suas cruzes, e com templos por toda parte mas que ao invés de terem o sagrado Jesus Cristo, haviam imagens tenebrosas e medonhas vistas com vívido medo pelos homens de Henrique. Não haviam palavras para lhes definir pois o âmago daquele infortúnio de medo era confuso por demais para ser perdido em termos.
    Foram então levados a uma masmorra o qual eram divididas em níveis que desciam até um fosso longo e largo como o próprio abismo do inferno, e nele estavam presos o clero do Vaticano e todo e qualquer homem ou mulher que ousasse falar palavras contra eles. Aquele lugar funesto tinha, em cada grau de andar, um nível dedicado a torturas igualmente inefáveis até que ao adentrar Henrique Keystone viu um homem chamado Albert Stoneset amarrado no fundo de uma cela, homem este que lhe disse acossado que fora pego meramente por falar que as agressões contra as mulheres deles eram crimes para os homens e para Deus, os justos eram agora chamados de cães pela supernação templária.
    Ao perguntar ao pobre homem macilento o que aconteceram com o mundo ficaram estarrecidos.
    - Desde quando o rei Felipe, O Belo, fora morto numa emboscada supostamente por templários em 1299 eles estabeleceram seu próprio reinado cruel e de torpezas. – Repercutiu o homem pálido e esquálido e continuou. – Em poucos anos cresceram e derrubaram o Vaticano os submetendo a vontade deles. Agora, em 1319, toda Europa sucumbiu ao poder deles restando aos resistentes fugirem para uma terra distante. Todo conhecimento está sobre domínio templário, só há medo, miséria e morte, as famílias da Europa praticamente pouco existem como conhecidas.
    Não acreditando em suas palavras, Henrique se apavorou tão profundamente que começou a gritar enquanto o homem agora dava de ombros como quem pouco se importasse pois todos naquela masmorra estavam sepultados vivos. Henrique caiu ao chão e adormeceu quando então seus amigos lhe acordaram.
    Acordando assustado, Henrique levantou-se arfando de medo, para completar ao redor e ver o corpo de Rene onde estava, empoçado de sangue.
    - O que houve? O que houve? Onde estou?
    - O senhor também teve esse pesadelo hediondo? – Indagou um dos homens de Henrique. – A de que estávamos num mundo onde pairava apenas a mentira e a opressão contra o justo e honesto?
    - Sim, como sabem? – Indagou Henrique.
    - Vimos a face mais funesta do inferno e ela nos olhou de volta. Será que fora apenas um pesadelo?
    De certo Henrique jamais saberia ao certo, mas depois daquele dia ele nunca mais poria sua cabeça no travesseiro sem realizar suas preces.