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domingo, 11 de julho de 2021

Metamorfoses Alligatoridae


Transpirava mesmo antes, na fila, enquanto procurava meus documentos de identificação. Ruborizado meu suor escorria pelo rosto enquanto meus pulmões arfavam de excitação quando ouvi um ruído de dor irromper os murmúrios e que num grunhido parecia prenunciar meu próprio fim. Aquela picada tenebrosa penetrou a carne do braço daquele cidadão que como os demais estavam iludidos pelo condicionamento a se sujeitarem a um experimento global sem precursores. Uma insidiosa trama global de uma vacina tenebrosa fomentada a pretexto de uma pandemia imaginária provocada pelo 5G que eclodia sintomas adversos. No dia anterior meu vizinho havia tomado a vacina, e anunciava a "bobagem" a cerca as asneiras pseudocientíficas que diziam dela. Todavia durante a noite acordei com grunhidos de dor na casa e ao procurar pela manhã fitei consternado nesse meu vizinho um caminhão da zoonoses. Junto com a guarda florestal e o Ibama eles atestavam terem visto um jacaré andando no terreno da casa de meu vizinho que, no entanto, não atendia. 

Ao olhar, consternado, notei que o jacaré usava a mesma meia que esse meu vizinho amava usar! Ao lembrar disso fiquei ainda mais consternado na fila da vacinação. O pessoal do Ibama dizia ser tudo uma bobagem delirante uma vez que o terreno pantanoso e lamacento da região era propícia a jacarés caçarem seres rastejantes da lama como caranguejos e afins. 

Todavia ao voltar ao presente aquele homem ao ser vacinado saiu tremendo e mancando até que ao chegar minha vez uma crise de choro me sobreveio e dela o pânico tornou. Tremendo a enfermeira tentou tranquilizar-me ante os demais, mas era tarde para mim. Era um caminho sem volta.

Ao tomar senti aparentemente apenas uma picada penetrar  minha carne do braço, e tratei de pensar positivo pois sabia que desejar que tudo desse bem era prova de que daria, como acreditava ser ciência. Porém, ao chegar em casa tremores me acometeram de sobressalto e angustias transtornaram-me em calafrios do qual logo se tornaram em tons gélidos contraditórios ao suor abundante. Deitei-me e logo notei estar febril. Ao me cobrir reparei que me corpo tremia nas vibrações de fisgadas de dor que remetia a todas as articulações do meu corpo. Mas adormeci.

Dormi e tive sonhos difusos sobre jacarés caminhando pelas ruas carregando bebês e dirigindo carros quando repentinamente uma fisgada tenebrosa me tomou. Ao olhar meu braço notei que minha pele parecia estar escamando e as dores subcutâneas vinha de dentro pra fora. Assim cutuquei e notei a pele se rasgando de modo visceral a desvelar uma pele escamosa em tons esverdeados tomar o lugar. Me remexi caindo da cama e temendo ser um sonho o qual despertei segurei o braço para olhar quando minha mãe chamou-me.

– Adalberto? Você está bem?

Comedido pelos temores que me assolavam olhei para meu braço e notei que o pesadelo era real e sem saber como proceder apenas respondi um "sim" com voz embargada pelo terror que parecia rasgar-me de dentro pra fora.

Ao sentar-me na cama fitei a porta trancada sem saber o que fazer senão esperar. Lembrei-me do fim trágico de meu vizinho sendo caçado pelo Ibama enquanto caminhava adentrando a lama para caçar seres que lá habitavam se alimentando da podridão e putrefação. Angustiado vi-me naquela situação tenebrosa como se eu fosse o vizinho ao fugir para a lama temendo ser capturado por um zoológico qualquer ou  mesmo virar bolsa!

Todavia as dores me tomavam de maneira ainda mais aguda, de modo que agora remetiam há mil agulhas de possibilidades negativas de dentro pra fora. Era um terror que ao invés do externo advinha do interior. Me contorci na cama como fosse um moribundo ao se estrebuchar em seu derradeiro epitáfio de genuína selvageria emergente. O próprio horror alimentava aquela metamorfose profana de aflições a tornar-me um temível predador da ordem alligatoridae. Agora fitava minhas mãos e notava que delas unhas tenebrosas e grossas saiam levando-me a correr para  a guarda da cama pegar um cortador.

Porém, ao tentar em vão impedir o curso de uma diabólica mutação ouvia os comentários da minha mãe lá fora.

– Meu filho tomou a vacina ontem, vocês dois vão tomar também como seu irmão! Mesmo eu tomarei, portanto parem com essa bobagem da aparição do jacaré na casa do vizinho!

– Mas mãe, Adalberto ainda nem saiu do  quarto hoje. Talvez ele tenha passado mal e morrido!

– Fala bobagem, Juninho! Cala essa boca, você atrai o que deseja! Não te avisei?

Naquele momento eu lancei um grunhido de dor ao saber o inevitável de tornar o ser maldito e nojento que me tornava, um jacaré! No entanto, tinha que sair e impedir o mesmo fim aos meus irmãos ou tudo seria em vão. Tinha que alardear ao mundo uma tenebrosa conspiração de amarelos comunistas que usava o pretexto da pandemia para dominar o mundo transformando a todos em jacarés.

Mas as dores me acometiam de tal modo que rolava no chão como se minhas tripas se remexessem como uma macarronada na panela. Minha visão ficou turva e com muito esforço levantei-me a ir ao espelho notando que a íris de meus olhos estava mudando a semelhança de seres anfíbios. Cocei os olhos mas nada impedia, queria limpar-me mas eu mesmo me tornava a sujeira! Era inevitável com meu destino selado nas corredeiras de uma maldita mutação transgênica quando minha visão irrompeu alterar-se para a visualização de espectros que antes a visão humana não fitava. Agora sentia uma fome tenebrosa me tomar e ela me guiava a caçar algo instintivamente, algo que preferencialmente gostasse de viver no charco de lodo daquele pântano agourento. A medida que a dor se dissipava eu recobrava uma lucidez fria e comedida com reflexos fortes, mas comedidos na espreita de seres rastejantes para meu desjejum. Precisava ir no charco, precisava devassar aquele pântano maldito adentrando de sobressalto ao devorar aqueles parasitas da podridão que geravam o que se alimentavam.

Todavia me relutava como se algum resquício humano me restasse enquanto minha mãe batia na porta mais uma vez, pedindo para eu tomar o café da manhã. Porém, nisso adormeci e tudo se apagou.
Ao acordar horas mais tarde minha mente era outra e agora ouvia um silêncio sepulcral advindo do exterior quando ouvi uma sirene irromper o silêncio. Era a polícia, era tarde pra mim!

Um homem irrompeu a porta segurando seus equipamentos de captura animal junto aos bombeiros e Ibama quando instintivamente dei um salto com poderosos dentes sobre e eles saíram correndo. Um outro adentrou apontando-me uma arma com tranquilizantes, tentei pedir para que parassem mas era inútil. Todavia quando este apontou a arma um outro jacaré saltou sobre a mão dele a arrancando, era meu vizinho.

Os homens correram quando outros jacarés invadiram o lugar como se agora todos fôssemos uma só família, minha mãe corria aos gritos quando passei pela sala e atravessei a varanda indo ao corredor quando e o que vi era estarrecedor demais. Centenas de jacarés eram perfilados por mim sendo alvejados entre mordidas e ataques, não sabia quem eram os maus, nós ou eles os humanos. Todavia uma necessidade de sobrevivência fez-me escolher um lado óbvio num levante que agora era da natureza. E nós vencemos e logo pelas semanas seguintes nos alimentando dos cães e gatos que antes eram de estimação. Limpamos o pântano de todos seres rastejantes e a cidade deserta de vida parecia agora habitada de jacarés. Isso até o dia em que helicópteros chineses chegaram e pousando começaram a nos caçar em massa para produzir pastéis em escala industrial para os humanos restantes. Tudo era de fato uma conspiração em associação as pastelarias que por anos se infiltraram no Brasil e no mundo.

* O autor vacinado com Astrazeneca garante não ter virado jacaré, ainda.

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