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sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Conto 'Filopatia & Patofilia'

"Ninguém merece as tuas lágrimas, mas quem quer que as mereça não te vai fazer chorar".  - Gabriel Garcia Márquez

O amor sensato nunca fora classificado como doença ao contrário do oposto. Porém, sempre que Clarice Cameron sentisse atraída por algum garoto ela transpirava. Caso aquilo viesse a evoluir em sentimentos de paixão coceiras e tremores a tomavam e em seguida cacoetes. Ainda que fosse formosa ao ter um corpo bem torneado, cacheados cabelos castanhos sentia a evolução de seu quadro psicossomático progredir a medida da progressão de seu envolvimento sentimental com o alvo de afeto até que ao se tornar amor ela tinha espasmos e tonteira seguida por sensações de enjoo que no último encontro fez ela vomitar na mesa de jantar. A condição recém diagnosticada na nomenclatura psiquiatria se chamava filopatia, uma doença desencadeada por uma reação psicológica as enzinas geradas pelo amor por condições neurológicas diversas e ainda mal compreendidas pela neurologia. Havia alguns casos onde ela ficava catatônica com um sorriso tolo fitando o vazio de modo que o indicado nesses casos era um remédio que inibidor das reações químicas precursoras de tais sentimentos atrativos e sexualmente sentimentais leva-a a efeitos colaterais e apatia na ausência de afeto. Assim ela sentia sua vida vazia e sem significado por não poder amar e ser amada rendendo em seus últimos encontros algo frígido de relação e tendo por parte dela mesmo ojeriza ao sexo a tornando assexuada ainda que nunca tivesse sofrido qualquer trauma. Era uma doença que repelia o amor.

Porém, a história de Clarice iria mudar ao tomar ciência de uma outra nova psicopatologia não menos peculiar enquanto servia aos estudos científicos desses raros casos na nomenclatura científica, a condição recém catalogada era chamada de Patofilia e se tratava de uma espécie de manifestação psicológica oposta a dela, onde as pessoas portadoras do Transtorno de Personalidade Patofílica tinham atração por pessoas que apresentavam quadros extremos de Filopatia como o dela. Pareciam sentir enorme carinho e afeto ante a condição do que logo descobriram ser vulgarmente o que chamavam de 'reação alérgica ao amor' por causa de ataques imunológicos as enzinas e propriedades químicas que levavam a pessoa a se sentir apaixonada ou amando. Ao pesquisar sobre o caso ela descobriu um desses raros expoentes que ao contrário das dicotomias excludentes ou anulativas parecia se enclavinhar com os ditados populares de que "cada panela tem sua tampa". Logo que ela viu a ficha do homem sob a mesa do pesquisador ela sentiu um abalo de tremores em seu corpo ao ler o nome do sujeito portador do transtorno, Joelson Nogueira, um homem pardo e de óculos que frequentemente procurava mulheres enfermas ou terminais para namorar e dar todo carinho.

Joelson era chamado de 'rei dos viúvos' por esse fato, mesmo que as mulheres sem quaisquer posses ele sentia um amor avassalador por mulheres doentes e sonhava um dia encontrar por uma que era literalmente doente de amor quando igualmente soube do caso dela. Havia namorado paralíticas e mulheres com tumores cerebrais, mas nada se comparava com aquele sonho que misteriosamente parecia detê-lo em seu íntimo levando-o a se apaixonar sorrateiramente por ela ao ver a foto da jovem, como se ele tivesse nascido para aquilo.

Ao saber que ele sabia dela, Clarice entrou em crise de paixão, ficou em transe, catatônica e paralisada por dois dias, o que fez ele ficar ainda mais apaixonado de o que gerava um feedback que eclodiu neles similares efeitos psicossomáticos avassaladores.

O caso único registrado na história das neurociências chamou a atenção da peculiar doença do qual as existências pareciam serem feitas uma para outra. Logo, sob condições laboratoriais e  com doses de medicamentos experimentais um encontro fora engendrado buscando suprimir as reações alérgicas da enzina do amor no cérebro de Clarice. Mas quando Joelson adentrou o consultório ficou pálido e transpirou ao notar que ela havia dado convulsões como num surto epiléptico ao fitar seu corpo. Ele a abraçou firme dizendo.

— Fiquei apaixonado por você desde o dia que soube que você existia, em meus sonhos mais íntimos. Amar alguém que tivesse alergia ao amor.

Clarice espumou levemente a boca e os tremores pararam dando lugar a um sorriso espasmódico ao fita-lo em seus olhos e disse para ele com dificuldade.

— Nunca nenhum homem suportou essa minha deficiência e me abandonou e por isso sempre sonhei com um  homem como você.

Os dois se abraçaram e choraram juntos enquanto tremiam e transpiraram, sabiam agora que em seu íntimo mesmo sob a alcunha de doenças psiquiátricas singulares haviam de fato a existência do termo 'almas gêmeas', ao contrário de doentes com parafilias como a relação entre masoquistas e sádicos hedonistas há muito classificados por CIDs psiquiátricos tanto como uma nova e recém descoberta doença, a manimania.

Ainda que sob todos cuidados médicos e constante terapia os dois se casaram, porém, quando ele teve sua primeira vez na vida ao seu lado na lua de mel, ela acordou no dia seguinte morta, jazia sem vida mas com um sorriso feliz pois havia amado e sido amada verdadeiramente ao lado de seu amor que igualmente havia entrado em coma em estado definitivo.

Conto da antologia "Mapa dos Sonhos" de William Fontana.

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