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quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Conto "A Bruxa do Tomateiro"

Black birds sing blues in sadness,

trapped blue birds sing better.

Don't sing freedom, never. Wings don't make songs.

De todos engenhos e fazendas da região era a mais prospera ainda que em meio a escassez e pragas fossem os únicos a não sucumbir as secas e crises, ainda que seu produto não fossem extraídos de canaviais ou cafezais, mas do maior tomateiro do Estado que era a fazendo Luzes da Vitória Régia. Ainda que após a morte da viúva e matriarca do casarão, a cruel e sádica Madame Martins, todos escravos tenham sumido misteriosamente, os filhos da viúva trataram de arrendar novos escravos leiloados após seu senhor anterior ter morrido sem herdeiros. O senhor tão amado pelos escravos os haviam convertido ao cristianismo por seus exemplos de amabilidade de modo que mesmo alguns escravos temiam a abolição e não terem para onde ir na ausência daquele tal amável senhor de espessas barbas brancas e fervoroso defensor da abolição da escravatura.

Mas os pobres diabos dos escravos foram comprados em lotes e recebidos sob açoites, açoites que há tempos não recebiam, agora ante a imagem do espantalho do tomateiro. Logo o negro Anderson fixou a imagem do espantalho ao de uma mulher que pendurada remetia os horrores da dor, uma espécie de bruxa. 

Aquela era a chamada Bruxa do Tomateiro, uma esquálida criatura em trapos de vestido e chapéu cinzento como de uma feiticeira de magia negra. Sua imagem parecia evocar horror mesmo aos pássaros do qual não se ouvi um piu durante todo dia e mesmo o vento se atemorizava se aproximar. 

Logo, rumores noturnos de alguns escravos insones aludia fitar em vultos a Bruxa do Tomateiro vagar dentre a plantação murmurando mandigas e juras de aflição aos pobres escravos assediados pela coerção no mero respirar. Uns escravos diziam que a bruxa do tomateiro era na realidade os restos mortais da viúva o qual arrendou a plantação a sua volta sob os corpos dos antigos escravos como adubo. Porém, as sessões diárias de açoites suplantavam tanto os rumores como as esperanças que como violência simbólica atemorizava os negros de breu quererem se esconder no breu da noite. Eventualmente algum amanhecia pendurado pelo pescoço pelos trapos suados dados pelos sádicos senhores que para si atraiam apenas moscas. Todo ano uma das negras deles surgia grávida e um ano após o nascimento dos bebês supostamente bastardos eles sumiam tão misteriosamente quanto a surgia das sementes em seu ventre oriundas de constantes abusos sexuais.

Durante um extenuante dia revirando a areia do solo um dos escravos, Anderson, jurou ter visto a bruxa do tomateiro vira-se a fita-lo o deixando sobressaltado.

–  Cê tá louco, imaginação sua como seus sonhos, como aquele negrinho do ventre livre que achou que um poço lhe concederia seu desejo e apenas desapareceu. Apenas caucasianos livres tem direito a sonhar. –  Comentou a mãe dele quando um rufião vendo-os parado vociferou.

–  Vocês parados tem o valor de merda, servem apenas para adubar! Essa cor já tem e isso que acontecerá caso não voltem a escavar o que um dia será suas covas!

O homem pegou o chicote e vociferando arrastou uma das negras falou. 

–  Vamos seus ratos, façam o que mando seus condenados, caso não queiram ser desovados como saco de lixo! Olhem pra essa preta cor de merda como exemplo do que será de vocês caso não obedeçam!

O homem a empurrou ao chão rasgando sua roupa e em meio ao pó da terra levou várias chibatadas que reverberavam em tremores nos demais. As gotas de lágrimas uniam-se as do suor a alimentar o solo o irrigando. Todavia, a exaustão era mais psicológica que física remetendo a nostalgia daquele senhor que prometia tentar acolhe-los mesmo caso a abolição fosse consumada.

Anderson ainda que sendo negro sabia ter sido beneficiado pela lei do ventre livre, todavia as documentações que isso provara haviam sido destruídas levando os senhores de engenho chama-lo de mentiroso e caluniador e que por causa dele negras sofriam, pois incentivava estupros, ainda que fosse virgem. Ele foi entregue por alguns dos próprios negros acusando-o disso por este tentar libertar e expor os crimes dos senhores de engenho, pois ante a fraqueza covarde desses negros ele era maluco por desafiar as elites dominantes.

O silêncio deprimente os assombrou ao cair da noite enquanto voltavam a senzala. A interposição dos horrores não tinha palavras exprimíveis a dor que sentiam sendo o licencioso silencio sua expressão de dor. Anderson, um dos mais espertos a noite acordou e na madrugada notou que todas negras da senzala haviam sumido. Ao ir atrás ouviu um burburinho e luzes trêmulas quando no meio do tomateiro num círculo em torno de um pentagrama as negras estavam amarradas e sendo molestadas pelos senhores e rufiões. Tudo isto enquanto aquela que julgavam ser um espantalho estava ao centro, a Bruxa do Tomateiro, evocando-se como Dionísio, a divindade da fertilidade e insanidade como aquele loucura de culto doentio do submundo da antiguidade. As negras estavam entorpecidas por altas doses de ópio vindo de ricos traficantes norte-americanos e pareciam alienadas do que seus próprios corpos sofriam ante o cadáver possuído por Dionísio a dançar ante a orgia.

A bruxa do Tomateiro, sob a camada das mais frutífera fazenda de tomates um culto subterrâneo de drogas e sacrifícios de escravos para adorar o deus da fertilidade em prol da colheita da impiedade.

Nos resquícios de lucidez que restava numa dessas negras ao fitá-lo apenas murmurou a ele “fuja!”. 

Anderson agachado correu entre os tomates quando tropeçou em algo no chão vindo a parar e ao olhar notar ser os ossos dos pés de um negro com grilhões. O corpo estava enterrado e aquilo era prova o bastante dos crimes lá ocorridos.

O negrinho fugiu do engenho e relatou as autoridades o que aconteceu, mas trazido de volta entre xingamentos e espancamentos o senhor de engenho os recebeu dizendo.

– Sinto muito a vossa mercê, autoridade, obrigado por trazê de volta minha propriedade extraviada, esse crioulo está insano, tem problemas mentais desde quando exagerou na pinga. Inacreditável como até com a incompetência deles levaram a criar essa bebida tão desprezível que é a cachaça. Maldita pinga, tudo por causa desses pretos negligentes que beberam dessa goteira dos vapores da cana que deixaram azedar.

– Está tudo bem em seu engenho? Não ouve mortes ou estupros? – Indagou o policial do Império o interrompendo.

– Sim, caso queira entrar está tudo bem! Esse crioulo é doido! Pintamos os coqueiros de branco pra tentar ver as fugas dele a noite, mas não tem jeito! Vou mandarem fazer uma trepanação nele. – Respondeu ele tendo um aceno positivo do policial como se ele tivesse muito mais credibilidade que o escravo meramente por afirmar o que dizia pois a palavra de um negro valia menos que a de seu senhor.

– Vamos Anderson, entre e vá pegar os tomates agora para por no carregamento, a colheita está à toda!

– Qual o segredo da prosperidade tão grande de vocês? – Perguntou o oficial da lei quando ia dando as costas, mas virando-se para traz.

– O segredo é o que todos sabem, senhor. O segredo é o tomate!

Anderson ficou paralisado com olhos mareados como morto de espirito, sem esperanças.

– Vamos Anderson! Aproveite e pegue uma caixa de tomates para o oficial pelo transtorno que você criou, seu pretinho inútil! Tudo o que vocês produzem é nosso, e apenas nosso, pois vocês são nossa propriedade.

Anderson fez o que pediu. 

Após aquilo o negro ficou dias sem ser visto pelos demais da senzala, quando voltou estava castrado como um cão e de cabeça raspada havia um costurado onde parecia ter havido um buraco. Agora tinha uma coleira e estava babando entre sorrisos insanos ao fazer seu trabalho de modo robótico, como um autômato programado. Ao ser perguntado apenas dizia que um tal dr.Dionísio havia o curado. 

Todavia, naquela mesma noite após um raio cair numa árvore morta e seca um terrível incêndio devorou toda a plantação de tomates durante a madrugada, e estranhamente os negros na senzala apenas ouviam os gritos desesperados do espantalho que parecia agonizar ao fogo que a devorava, a bruxa do tomateiro parecia sofrer uma justa inquisição da providência divina!

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