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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Trecho de 'O Tempo e o amor' de Gerson Avillez

Abaixo um trecho do segundo capítulo do livro 'O Tempo e o amor' de Gerson Machado de Avillez:

O crime, num inócuo mistério, havia sido por dentro como  por um vírus no organismo. Com as portas fechadas pelo interior, deixou perplexa as autoridades que sentiram-se incompetentes em resolver o crime, como era comumente irrelevante naquele mundo. Mas então resolveram chamar o mais improvável dos investigadores, Johansen Pirro Ockham, um aspie que sofria de sinestesia generalizada.
Apelidado entre os forenses como 'O estranho' o sujeito, esquisitão tinha o dom de seguir padrões de cheiros e ruídos visuais que levasse revelar componentes e provas não conhecidas na cena do crime.
O jovem Johansen Pirro sentia o cheiro de crimes e era nascido num ano bissexto. Tinha sinestesia que misturava os sentidos e que por sua condição do dia de nascimento, tinha apenas 14 anos, oficialmente.
Apesar daquilo render piadinhas óbvias e pedantes, Pirro levou a compreender a sinestesia de forma única que permitiu literalmente cegos enxergar ao induzir o sensorial plástico pela sinestesia, porém, nisso toparam com algo mais, algo extra-sensorial. Aparentemente Pirro aprimorou seus dons sinestetas e hoje era como uma aranha na teia percebendo vibrações nos fios de eventos e tempo a procura de padrões e indícios no fluxo de eventos, como se referia.
Fosse no século XIX seria uma peça de circo, pois o sujeito acumulava dotes incomuns de modo único, pois era igualmente tetracromonotia, isto é, via muito mais cores que um cérebro normal era capaz de compreender, na realidade mais que as 16 milhões de cores que um computador é capaz de identificar em seus quase infinitos tons.
Ao adentrar a cena do crime tapou o nariz ainda que não tivesse nenhum odor irritante as narinas comuns, pois o cheiro era traduzido na verdade em seu peculiar cérebro. Virou-se e contemplou o blusão que a jovem e bela assistente do delegado vestia e disse.

- Seu blusão é muito barulhento.

A jovem abriu um sorriso, achava tudo aquilo muito brilhante e original, sobretudo pelo fato de Pirro ser irritantemente honesto em tudo que investigava dentro de seu distrito policial, a ponto que colocava em risco a impunidade de alguns de seus colegas corruptos.

- Por que ele disse isso? - indagou um forense que não o conhecia.
- Ele ouve a música das cores - respondeu a jovem assistente com um sorriso atípico a situação do crime ocorrido. - É um sinesteta.
- Ahh - respondeu o homem observando ele conversar com o delegado.

O Estranho, então, sem perder tempo, observa a cena do crime silencioso, mas barulhento por dentro, que ao ouvir as cores soa uma melodia aterrorizante com seus tons que não poderiam ser ao acaso. A frequência dos crimes soavam como um fluxo de uma melodia agonizante.

- Sempre tive a sensação de que as cores do mundo real estão erradas, mesmo os números tem mais informações do que aparenta. A visão humana esconde muito mais do que revela normalmente. - disse Johansen Pirro ao ver a assistente aproximar-se dele.
- Precisamos é de provas, mas se você tem certeza absoluta de algo, está completamente errado - disse o delegado de modo sisudo.
- É para mim ter certeza absoluta de sua afirmação, ou não? - perguntou o estranho sendo irônico sem querer.

O delegado ignorou e a assistente tentou fazer piada.
- Alguns só tem certeza que não tem certeza, pois no mais creem piamente na dúvida!

O oficial da lei olhou com semblante fechado para ela e respondeu em tom de reprovação.
- A busca por respostas leva, as vezes, alguns a deliberar inventando interpretações por não se conhecer o verdadeiro significado de algo ou simplesmente o ignorando.
- Lúcido, - respondeu a assistente com notável ironia - lembro que o sobrenome de Pirro é Ockan.
- O material é o aparente, o espiritual o inerente. - disse Pirro olhando para o vazio como um cão seguindo um lastro de odores, ignorando o que ela disse. - Mesmo se tapasse os ouvidos continuaria ouvindo aquela melodia quando pega na direção certa, de onde veio. - concluiu contemplando a melodia visual que era disforme. - Na dúvida de algo, sempre siga os padrões, eles sempre indicam a verdade ainda que não revelada, quando não são assinaturas de ocorrências.
- Caos e tempo, informações e ondas, duas faces da mesma chave universal a todos segredos científicos. - disse a assistente.
- As cores têm relações com o caos e o tempo. Por isso as cores são o alfabeto do infinito. - continuou Pirro quando topou com algo.

A assistente virou-se para o delegado e disse-lhe impressionada.
- Temos que admitir, ele é autentico.
- Ser autêntico é ser o melhor imitador de si próprio. - arriscou responder o delegado constrangido, tentando cobrir aquela situação com sua eloquência acadêmica na pratica forense. A pontada de inveja era evidente.
- E uma cópia só pode ser medida em termos do original. - repercutiu Pirro vendo uma relação concreta com o dito, nunca fora dado a subjetivdades e analogias parabólicas.
- O que encontrou? - perguntou a assistente notando ele se abaixar diante de algo.
- A verdade. - respondeu Pirro tapando as narinas. - Em terra de mentira, a verdade mata porque é marginal.
- Crime é o perfume do cruel - disse a assistente rindo quando ele pegou um anel sujo de sangue no chão.

Naquele momento o delegado passou a ter certeza no misterioso dom de Pirro onde os sentidos eram embaralhados como cartas num jogo de buraco o elevando quase ao status mediúnico até então proibitivo ao meio acadêmico.
Mas a felicidade está na dúvida ou na certeza? Quantas dúvidas se podem carregar?
Alguém diz que quem tem certeza está completamente errado, então temos que duvidar da afirmação dele ou ter certeza? O absurdo da afirmação é etimológico, a certeza vem de certo, logo a dúvida está errada.
A dúvida é uma incoerência da lógica inerentemente ao homem, um vago que não serve nem para estacionar. A ambiguidade é uma via que não se sabe onde chegar a não ser no inconcluso. Não posso ter certeza na dúvida, se contradiz. Havendo dúvida, duvido até da incerteza, mas da certeza estou certo.
As dúvidas são caminhos mais curtos para a insegurança e medo, na contramão da fé. Depressão é duvidar, felicidade é certeza. A depressão pergunta-se por que viver, a felicidade tem certeza. Mesmo a infelicidade há alguma certeza, mas a depressão é a dúvida como atuação. Pois em terra de incertezas habita do achismo.
Índios fazem a dança da chuva, mas alguns dança em volta da verdade para nunca toca-la, porque, o indefinível não é nada e pode ser interpretado como tudo. Porque tudo tem porque, mesmo ante o por que.
Maldito aquele que não busca respostas, mas incertezas. Sua vida é vã. Os que matam por dúvidas a condenação é certeza. Não é possível ter razão com certeza se há dúvida da razão.

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