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sábado, 16 de julho de 2016

Trecho do conto 'A Soma de todos os sonhos'

Abaixo publico um trecho do conto, A Soma de todos os Sonhos do livro 'Todas Formas de Sonhar' de Gerson Avillez.

Mais um sonho. Toda noite a mesma coisa, me parece que me sobrevem um turbilhão de sonhos como um brain storm do inconsciente a me inspirar a escrever contos de realismo fantástico. A primeira vez que isso me ocorreu fiquei fascinada, exultante, mas agora me parece haver padrões no aleatório, há uma causa por de trás disto. Tem que haver. Apelei a Freud, mas mesmo ele não explicou, deveria estar se contorcendo no túmulo como se diz o senso comum àqueles que tem sua filosofia contrariada após sua morte.
Comecei a registrar esses sonhos cerca de seis meses atrás e depois disto não param mais. É enlouquecedor, exacerbado. Fiquei inicialmente empolgada com as possibilidades de um potencial em mim letargicamente adormecido, pesquisei por experiências que tive no passado que pudesse me inspirar esses insights, mas simplesmente meus últimos dez anos não sou capaz de recordar por algum capricho igualmente misterioso de meu cérebro e não havia me dado conta disto.
O que me ocorreu nos últimos dez anos? O que significa esses sonhos?
Recordo-me de minha formação no doutorado, após isso só breu, um blackout cerebral no âmago de minha memória. Apelei a minha autobiografia publicada há poucos meses, mas nela os mesmos dez anos aparecem nulos como se eu não tivesse vivido nada nesses dez anos, como se nada tivesse ocorrido nos horizontes mensuráveis de minha vida, um buraco na cronologia de minha vida. O que fiz? O que aconteceu? Vou consultar meus conhecidos. Fui até a casa de meu amigo de doutorado e ele apareceu na porta surpreso.
- Roberta, quanto tempo! - Disse ele perplexo ao me ver. Seu nome era Adailton Bom fim.
- Quanto tempo precisamente? - Indaguei eu com certa objetividade.
- Uns dez anos! - Exclamou ele com não menos desorientação que a minha. - Você viajou para participar de um projeto científico e simplesmente sumiu vindo aparecer apenas há poucos meses. Entramos em contato com o centro acadêmico (a universidade de Oxford) que supostamente lhe financiava e nada, era como se o projeto nunca tivesse existido.
- Não entrei em contato nesse período? - Indaguei novamente.
- Não, quem te contratou você dizia ser um senhor, o Doutor Albert Stoneset, mas na universidade em que ele lecionaria não existe esse nome. Pesquisamos na internet, e nada. Então lhe pergunto, onde você este? - Perguntou coçando a cabeça. - Você abandonou o Departamento de Filosofia para esse projeto. Sentimos saudades de sua Filosofia etílica. - Completou com um sorriso.
- Você pode achar estranho Adailton, mas não sei. Por isso lhe pergunto tudo parece muito nebuloso nos últimos dez anos, só tenho tido estranhos sonhos sem explicação. Sonhos fantásticos. Escrevi maior parte deles, acho que ouvi esse nome nos sonhos.
Parei por um instante e peguei nos cadernos o que havia escrito, olhei minunciosamente e vi o nome de Albert Stoneset não em um dos sonhos, mas em vários. Procurei então puxar pela memória qualquer viagem para o exterior ou relação com a universidade de Oxford e simplesmente não me lembrava de nada, só névoa.
- Por favor entre, Roberta, tome um café. - Disse Adailton me vendo confusa na porta de sua casa.
 O homem meneou a cabeça vendo-me fazer aquilo, estava de roupão, havia acordado a pouco tempo. Era um homem calvo, esbelto e de bigode com uns óculos de armação grossa. Era muito cortês e amigo nos tempos que era doutorando. Ajeitei meu cabelo e adentrei o recinto perfilando sua casa onde morava sozinho, segundo ele havia se separado de sua mulher há uns dez meses.
- Após dois anos sem contato contigo, nós não lhe demos por desaparecida, mas morta. Mas aí há dois anos apareceu um editor dizendo que ia publicar um livro seu de contornos autobiográficos para então simplesmente aparecer morto há sete meses, talvez deve ser ler esse livro. - Disse Adailton servindo-lhe café a mesa.
- Não me recordo disto, Adailton. De ter escrito um livro autobiográfico. Qual o nome do livro?
- A Filosofia Etílica do Departamento de Filosofia. Mas ao lermos o livro não havia nada sobre os dez anos. O editor disse que retirou alguns trechos por pressão, mas não quis nos fornecer. - Respondeu ele pegando agora uma dose de café para si.
- Ele fora censurado? Por quem?

Continua...

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