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quinta-feira, 14 de julho de 2016

Conto: Além do Horizonte

Abaixo publico o conto 'Além do Horizonte' do Livro 'Todas as Formas de Sonhar' de Gerson Avillez.

Albert Stoneset era um homem de meia ideia austero, alto e de cabelos grisalhos que parecia introspectivo quando recebeu um estranho bilhete em que dizia de modo sucinto: "pare o que está fazendo". Logo abaixo no lugar do que parecia ser assinatura havia uma inscrição em latim que dizia Nec Plus Ultra que significava ‘Além do horizonte’.
    Logo após o misterioso bilhete ele conseguiu o impossível, penetrou o âmago da ciência do desconhecido desdobrando as vísceras do universo ao limiar de outras dimensões, criou a tecnologia capaz de romper a tênue película da entropia e das leis de Newton que separa universos, porém, a medida que se descortinou novos universos aquilo se demonstrou frustrante ao se perceber que nenhum deles havia quaisquer sinais de vida como conhecida. "O multiverso é perpetrado apenas com universos de parva existência e ausentes de vida, universos com variações de leis físicas que aparentemente impossibilitava a existência de vida complexa e inteligente", disse ele certa vez num anúncio ante uma coletiva de impressa.
    "Como essa tecnologia então será útil então para a humanidade?", indagou um jornalista e deixando Stoneset sem respostas.
    Em segredo a humanidade sonhava poder conhecer outra dimensão o qual pudesse se transferir, pois a Terra estava superlotada do lixo industrial que perpetrava cada lar de um planeta superpopuloso e que por falta de espaço para as demais atividades seus recursos naturais se esgotavam, levando Stoneset a uma crise pessoal mediante esse projeto.
    O tempo passou e tão logo a humanidade viu naquilo um desperdício de milhões de dólares numa busca a lugar algo afinal não tinham descoberto se quer vida inteligente em seu universo, muito menos noutros mundos além universo. Tentou-se mudar a posição dos vórtices levando a outros universos mais, porém, sem resultado satisfatório.
    O primeiro universo possuía a velocidade da luz diferente. Ao invés dos habituais 299.792.458 m/s tinha 300.246.207 m/s criando condições onde a luz era proibitiva a quaisquer formas de vida conhecidas por quebrar a linearidade temporal daquele universo. Stoneset e sua equipe de cientistas conjecturaram viajar no tempo pegando atalhos nesse universo, porém, a massa proibitivamente grande ainda não permitia isso. Não bastando ter saídas para outros universos inefáveis quele universo era o mais antigo supostamente conhecido por Stoneset, e por isso justificou-se ser chamado de universo primeiro.
    No segundo universo visitado possuía estrelas aberrantes pois a constante de planck era levemente diferente fomentando resultados imprevistos a nível macro, para a física clássica.
    O terceiro universo possuía uma peculiar variação na Constante de Boltzmann que tornava todo universo previsível no caos, aquilo atiçou os ânimos da comunidade científica pois nesse universo era possível se prever o futuro, literalmente, porém, não permitia o surgimento de vida complexa e inteligente, segundo Stoneset por uma questão filosófica do livre-arbítrio.
    O quarto universo possuía cinco dimensões espaciais, segundo Stoneset por ter surgido da colisão de dois universos onde a massa era infinita mas suportada finitamente nessas cinco dimensões tornando possível, de algum modo, a viagem temporal. Lugares onde as leis físicas de nosso universo não se aplicam.
    Assim foram passando os universos até que no décimo universo os recursos de exploração se esgotavam, pois, cada alinhamento diferente do vórtice a outro universo tinha alto custo técnico e consequentemente financeiro.
    Assim uma discussão popular sobre a utilidade daquilo e do dinheiro público das nações levou a formação de um comitê que discutiria o emprego do dinheiro público em projetos de aquisição científica como aquele pois a urgência global no momento era a resolução do problema do lixo que ocupava os recursos da maior parte das nações. A sugestão partiu do próprio Stoneset para a solução do problema.
    Assim, para se livrar do problema global do lixo a recém descoberta de portais prometeu lançar aleatoriamente o lixo em outras dimensões, dando lugar ao Projeto Doroty.
    Naquele tempo haviam grandes desertos o qual em sua quase abiose letárgica era repleto de quilômetros de lixo e habitado apenas por seres acossados e de grande ojeriza. Fora justamente lá onde fora montado o primeiro portal transdimensional. Todo lixo passou a ser organizado de modo a facilitar o desemboco na boca do vórtice lançando o lixo sobre o primeiro ponto noutra dimensão que assim abrisse no primeiro universo descoberto por Albert Stoneset. Assim seguiu-se então a contagem regressiva para o lançamento coordenado de lixo pelo buraco dimensional sob os aplausos dos espectadores, lideres de todos governos e nações.
    - Hoje estamos dando um passo importante para descartar nossos resíduos onde a poluição é irrelevante. Hoje será o dia em que começaremos a limpar nosso planeta de décadas de sujeira e poluição. – Declarou Stoneset de modo altivo no início do Projeto.
    O processo seguiu padronizado por longos dias, de modo que tão logo aquelas viagens dimensionais com intuito de vigilância sanitária tornaram-se rotineiros, mas que no âmago daquelas dimensões provocava convulsões por suas condições físicas diferenciadas ao do universo antropocêntrico num tipo de choque de leis divergentes.
    Quando os dias tornaram-se meses a operação havia esvaziado quilômetros de deserto de modo que mais dois vórtices foram abertos na mesma dimensão rendendo um investimento de sustentabilidade por estas partes do mundo, os maiores lixões do mundo. A operação era um sucesso retumbante, o Projeto Doroty era o mais exitoso experimento científico. Stoneset fora aclamado.
    Stoneset passou a ser conhecido como um cientista politicamente correto, ecológico, ainda que involuntariamente. Para ele, a sugestão para o uso da tecnologia que perfez era tão ecológica quanto a conotação da Epopeia de Gilgamesh fez como advertência aos devastadores de florestas da idade do bronze, milhares de anos antes da ecologia surgir num tempo em que as maiores devastações tornaram a paisagem da Europa, Asia e África um vazio como hoje conhecido.
    Fora então num dia como outro qualquer que Stoneset ao acordar deu-se por convencido não estar no leito o qual havia se deitado ao adormecer. O homem levantou-se da cama consternado, temendo ter sido raptado ou algo acintosamente similar para constatar estar num lugar aparentemente abandonado.
    - Tem alguém ai? – Gritou Stoneset indagativamente tendo apenas o eco de sua própria voz como resposta.
    O homem caminhou para constatar ser um lugar deserto, uma construção sem aparente portas que levassem a saída, até que se aproximou de uma janela e numa lufada de vento viu um horizonte devastado onde a própria cidade, fosse qual fosse, parecia um grande lixão arrastado por algum cataclismo.
    Assim ele percebeu estar no alto de um grande prédio e sendo ele parco correu buscando novamente por uma saída, mas era inútil. Então gritou novamente tendo a mesma resposta de sua própria voz quando ouviu um estalido e virou-se e com que deparou-se ficou ainda mais perplexo. Um ser humanoide translúcido como as águas-vivas e que parecia feito de luz em suas veias lhe fintou com olhos luminosos e semblante ininteligível deixando Stoenset mesmerizado com tal criatura.
    - Ser primevo sou, o fundador de seu mundo. – Disse o ser.
    - Que lugar e este, o que está acontecendo?!
    - Ser esse mundo de seu passado, seu passado é seu futuro. – Respondeu a criatura cintilante a ofuscar lhe a visão.
    - Você é algum tipo de Deus?
    - Um nome ser este. Doravante, tú estais aqui por atacar meu mundo.
    - Atacar? – Indagou Stoneset sem compreender. – Sou pacifista.
    - Nos atacar com resíduos de seu mundo. Avisado foi, castigado será.
    Agora Stoneset compreendeu, o ser primevo era da dimensão primeira que estava recebendo todo lixo da Terra de seu universo. Pudera Stoneset outrora compreender que todo aquele lixo provocaria transtorno numa realidade que acreditava ser ele deserta e abiótica. Mas aquele ser era de uma dimensão que para nós é a dimensão dos deuses, uma dimensão o qual seres pulsantes de luz eram capazes de viajar a qualquer tempo de outras dimensões.
    Compreendeu ele assim, que por ser impossível voltar a seta do tempo em seu universo viajar a seu passado somente implicaria se pegar atalhos além universo, além horizonte, por meios de buracos de minhocas ou por aquele universo primevo onde a linearidade temporal se rompia por uma variação da velocidade da luz. Mas Stoneset ficou perplexo pois não compreendia como eles fariam para lidar com massas infinitas nestas viagens, porém, antes mesmo que compreende-se em sua introspeção fora interrompido em seus pensamentos.
    - Lhe atacaremos com onda gigante em 2004.
    - Mas a tsunami do Oceano Indico já aconteceu!
    - Acontecerá no passado. – Respondeu o ser numa aparente aberração de conjugação verbal. – De nosso zoológico ser vocês criaturas desiquilíbrio dentre todas espécies de seu mundo.
    Aquilo deixou Stoneset perplexo, a Terra é um zoológico dos seres primevos da dimensão primeira, bem que alguns cientistas teorizaram corretamente, pensou ele.
    - Pararemos de lançar lixo em sua dimensão. – Respondeu Stoneset convenientemente. – Não sabíamos haver vida nessa dimensão! Tú és uma forma de vida diferente de tudo que conhecemos.
    - Está feito. – Disse o ser.
    - Mas isso para nós já aconteceu! Por que não se revela ao nosso mundo?
    - Nossos postos de observação e estudos tiveram de ser movido várias vezes por intromissão dos seus mortais.
    - Onde? Quando?
    - Ilhas que somem, ilhas que surgem.
    Aquilo só poderia se referir as lendas de ilhas perdidas, civilizações antigas que eram apenas mito. Atlântida saltou para outra dimensão ao invés de ser destruída, apareceu periodicamente, numa época ficou conhecida como Hi Brazil, noutro tempo como Um? Se perguntou Stoneset.
    - Pare agora ou cancelaremos o zoológico. – Prosseguiu o ser.
    - Sim, tem a minha palavra, quando voltar contarei tudo aos meus e pararemos imediatamente de lançar lixo em seu universo, apenas me leve de volta.
    - Considere feito. – Completou o ser afastando-se e simplesmente desaparecendo.
    Stoneset adormeceu e ao acordar viu-se em seu leito, em seu lar. Levantou-se perplexo temendo que aquilo fosse um sonho, mas pela profundidade e originalidade do mesmo questionou que não o fosse.
    Seguiu então para o laboratório onde contou tudo para os seus. Consternado ele aludiu que precisava parar imediatamente de lançar o lixo deles para outra dimensão.
    - Veja bem, Stoneset. – Disse um dos cientistas. – Se eles lhe perfilaram e lhes falaram para parar com isso, por qual motivo não atacaram ainda?
    - Já disse, atacaram no passado, a tsunami do oceano Índico em 2004. – Respondeu ele com veemência.
    - Mas isso aconteceu muito antes disto! – Disse o cientista insistentemente.
    - Não, aquilo fora uma tragédia natural provocada pelo movimento submarino das placas tectônicas, Stoneset. – Respondeu o outro cientista que com ele estava junto.
    - Já lhe expliquei que aquele universo não é temporalmente linear de modo que podem vir ao nosso passado através dele.
    - Isso tudo é muito surreal, Stoneset. Não destrua sua carreira com essas bobagens, certamente fora apenas isso, um sonho surreal.
    - Não, façamos o seguinte. – Respondeu o outro cientista coçando a cabeça. – Vamos alterar o fluxo do vórtice para outra dimensão, assim não teremos mais problemas com esses seres. Não contamos nada para ninguém e assim resolvemos seu problema.
    Stoneset se deu por satisfeito. Tão logo assim o fluxo transdimensional fora interrompido para se alterar a direção dimensional do vórtice atual alegando-se ao público, pela mídia, de que aquilo se tratava de apenas uma conveniência técnica de economia de energia ainda que tivesse provocado algum custo ao consórcio internacional daquela tecnologia, mas com a intenção de proteger a carreira ilustre de Stoneset assim o fizeram temendo que o pobre homem renomado cometesse suicídio acadêmico.
    Assim se passaram os meses após ser selecionado aleatoriamente o que eles acreditavam ser um daqueles universos abióticos por serem fisicamente proibitivos a biologia conhecida. Era o quarto universo quando então ao ir dormir mais uma noite o sono dos justos, Stoneset recostou-se no travesseiro vindo tão logo a adormecer. Mas assim que lhe sobreveio os devaneios oníricos Stoneset sentiu-se na presença de algum ser e despertou em seu opulento quarto notando a presença de alguém.
    Ao abrir os olhos ficou tonto e confuso por sua visão embaralhar-se com a imagem que fintou. Embebido ainda no sono sentou-se em seu leito quando percebeu que o ser humanoide que surgiu em sua frente parecia ter mais que altura, largura e profundidade, mas mais duas profundidades num só corpo.
    Stoneset então coçou os olhos temendo ter sido um delírio, mas o ser que agora também lhe fintava interrompeu o silêncio e lhes disse.
    - Por atacaste nossa dimensão, verás que seu poder é inútil ante o nosso.
    - Quem é você? – Indagou Stoneset sentindo que ser esforços para se defender era inútil.
    - Somos o povo da dimensão que atacas, agora terás o nosso furor em guerra.
    - Não, não os ataca! Apenas jogávamos nosso lixo numa dimensão que acreditávamos ser abiótica.
    Tudo que Stoneset fez para tentar impedir um conflito transdimensional parecia inútil...

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