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terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Conto: Planeta Prisão

  Publico e disponibilizo abaixo um dos contos do projeto literário 'Cronomancer', uma antologia o qual tem o foco nas possibilidades futuras de distopias. O livro de Gerson Machado de Avillez reúne contos do mesmo multiverso dos livros, do romance 'Herdeiros do Destino' a série de novelas iniciada por 'Crônicas do Tempo', abordando grandes questões filosóficas assim como ideias originais criadas pelo autor como a do conto a seguir que tem começo com a Teoria da Matéria Espelhada que reflete a imagem de um distante passado terrestre neste caso usado como analogia para a emergência das mais malévolas aberrações imorais passadinas.

 A história a seguir é amarga como o séquito que perpetuava os males as suas vítimas que estavam preferencialmente indefesas, porém, se torna algo relevante a ser narrado como a possibilidade de algo funesto que poderia acontecer pois é o desejo daqueles o qual a obstinação diz que somente eles podem ganhar e lucrar.
    O vislumbre daquele mundo que surgiu nos céus da Terra fez a população do mundo fintar os céus na esperança de que uma civilização mais evoluída em moral e ciência pudesse contemplar a eles respostas e um norteamento moral que desse o significado e sentido a vidas destituídas de propósitos ante tanta violência, injustiça, exclusão, corrupção e impunidade. Tão logo uma junta internacional fora formada a fim de engendrar uma missão rumo aquele planeta o qual as semelhanças com a Terra eram inegáveis. Foram então selecionados os homens e mulheres que iriam realizar o voo aos confins do espaço para adentrarem o território extraterreno e se houvesse vida realizar o primeiro contato do homem com uma espécie nunca antes vista.
    O voo partiu carregando na missão quatro astronautas, John Campbell, Kimberly Loren, Rogério Santos e Hellen Daniels. Tudo transcorreu tranquilamente de modo que o foguete passou por todos os estágios de lançamento sem maiores problemas, o céu azul deu lugar as profundas trevas do abismo espacial apenas entrecortado por estrelas pelo qual o irradiar da luz riscava os céus com o trepidar da nave. Viu-se a Lua e a seguir o sol se distanciava progressivamente de modo a não se diferenciar das demais estrelas, a tripulação queria que o propósito da viagem fosse justificado com respostas, mas afinal era isso que todos queriam na vida.
    Os meses se passaram ainda que ante aquela propulsão poderosa e de baixo custo os colocassem a uma velocidade pouco abaixo da luz. Porém, a medida que se aproximaram a tripulação que era formada em sua maioria por acadêmicos de ímpar ética o qual a imparcialidade e senso crítico os moviam perceberam que havia algo errado com aquele planeta o qual a face agora se era possível fintar em detalhes. Para surpresa daqueles homens e mulheres da ciência aparentava que viam a própria Terra mais jovem, há muitos milhares de anos atrás. Buscaram sondar o material que havia a sua volta de modo sucinto e constataram que era permeada por uma misteriosa matéria que de alguma forma potencializava a luz recebida e a refletia de volta. Aquilo provocou grande perplexidade neles de modo que perceberam que apenas corriam atrás de um reflexo que pelo tempo de viagem da luz refletia o passado da própria Terra que modificava-se rapidamente com seu aproximar em alta velocidade.
    Sem terem para onde ir, trataram eles de retornar a seu mundo num misto de dissolução e fascínio pois ainda que não tenham descoberto outro mundo descobriram finalmente o próprio passado deles. Todavia não sabiam aqueles homens e mulheres que agora conheceriam o futuro onde as mais malévolas aberrações imorais que assombraram o passado humano tornaram a emergir assolando o planeta de modo não reconhecível.
    Pelos cálculos de Hellen Daniels estariam eles no século XXIV depois de Cristo, mas ainda que a despeito de toda tecnologia a moral havia evoluído a tempos medievais. Um poderoso banco logo passou a tornar países inteiros propriedades de modo que os governos privados cada vez mais exploravam o povo de modo que os abismos acentuados emergiam uma desigualdade nunca vista antes. Um só culto perpetrado por sociedades secretas que eram centros de todo tipo de conservadorismo vil estipulando um sentimento de superioridade e privilégio ante os demais, que deveriam ser respeitados, mas nunca respeitar suas vítimas, que criticavam, mas nunca poderiam ser criticados, daqueles o qual o culto obcecado pelo sexo era temerário tornando o ato do sexo em algo doentio. A medida com que ganhavam espaço e poder, espalhava-se potencializada a violência, impunidade, desigualdade e a cultura do estupro. Agora eles mesclaram elementos de outras religiões de modo sincretista como o cristianismo de modo moralmente deformado em algo massacrantemente opressor.
    Rogério Santos logo percebeu haver algo errado com aquele mundo quando foram ameaçados de cara ao aproximarem-se da Terra, ainda que identificados como uma antiga missão aqueles homens pareciam hostis e agressivos de modo que John Campbell desviou o voo para uma área remota, não habitada e assim sumisse dos radares daquele governo fascista.
    Não mais sabiam o que fazer naquele mundo e ao acessarem a rede de computadores ficaram ainda mais desconsertados, Kimberley fintou o vazio desolada ao perceber que toda sua família havia sido levada a uma espécie de gueto enquanto os descendentes de John Campbell haviam literalmente sido exterminados.
    As metrópoles eram encobertas por uma névoa onde um gás lançado diariamente tornava os habitantes do extenso gueto mais dóceis e passivos a fim de impedir qualquer revolta ou rebelião, uma enorme prisão cujo território era de uma nação, mas que servia para serem massacrados diariamente com todo tipo de agressão e humilhação injustificada. Não havia porém, ainda que sob condições psicológicas insalubres trabalhavam após sequências de brutais torturas, enquanto dentro do gueto nos telões era mostrado mensagens como: "abandone seus sonhos e talentos", "Não tenha fé", "O sentido da vida é a aflição", "sirva para sobreviver", "você é nossa propriedade".
    Aquilo provocou náuseas em Kimberly que tonta e inebriada com aquele gás vomitou, segura pelos seus amigos de missão, ela meneou a cabeça tentando ainda assimilar todo aquele absurdo enquanto limpava a baba de seu vômito sobre sua roupa.
    Ainda que os presentes no gueto fossem outrora pessoas de ótima índole e dotados de aptidões confirmadas como pintores, autores, músicos eles nunca poderiam ser reconhecidos pelos seus dons e, sob ameaça, qualquer tentativa deles tentar fugir ou publicar seus trabalhos era punida violentamente. Era comum que os dominantes se apropriassem de suas obras e sob argumentos pseudocientíficos absurdos se diziam os verdadeiros autores contra todos os fatos e evidências.
    Muitos homens eram castrados e impossibilitado de terem filhos nunca souberam o que era fazer amor ou constituir família, viviam como os antigos eunucos que andavam a todo instante abaixados como cães obedientes a seus patrões boçalmente arrogantes, comprovando que o passado havia voltado a assombrar a Terra de modo avassalador.
    As mulheres quando eram formosas eram levadas a servirem os dominadores vivendo exclusivamente para o coito, tiradas de suas famílias quando muitas vezes ainda eram de menor, elas eram iniciadas nas mais depravas artes sexuais onde até mesmo coreografavam orgias com homens tenebrosos o qual a feiura era externa e interna.
    Aterrorizados com aquilo, Jonh Campbell não aguentava mais ver tanta aflição, medo e injustiça, e temendo serem reconhecidos como forasteiros acreditaram que o pior também poderia acontecer com eles e assim saíram daquele lugar tenebroso, uma masmorra como a de inóspitos tempos ancestrais.
    Aquela sociedade o qual os dominadores eram estupradores, assassinos, ladrões e outros tipos de corruptos viciados em seus próprios desejos instintivos de cobiça, ódio e luxúria separavam em guetos os páreas chamados de "perdedores" formado em sua maioria por ativistas contra a impunidade, defesa dos animais, violência e pelos direitos humanos. Os dominadores poderiam entrar a qualquer hora dentro dos guetos e fazerem o que quiser, de estupros, roubos a assassinatos.
    Disfarçados, os quatro astronautas estupefatos com a condição moralmente estropiada dos oprimidos os fizeram sentir uma profunda ojeriza ante situação execrável onde até mesmo eles eram obrigados a sorrir e dizerem que gostavam daquela vida, pois quem se quer reclamasse estava arriscando-se a morrer torturado. Não havia liberdade de expressão, a exclusão era a lei, todos viviam num anonimato o qual não tinham voz ou rosto, eram apenas números numa equação parasita onde os resultados positivos eram apenas dos dominantes nos grandes mainframes da corporação mundial, mantidos sob constante agressão para que os dominadores vivessem no luxo em sucedidas orgias entremeadas pela caçada em safaris de humanos do gueto.
    Todos os meses acontecia o "dia da expiação" onde alguns destes eram selecionados e em praça pública os criminosos dominantes culpavam eles pelos crimes que eles mesmos fizeram, aquilo era parte do culto que segundo alguns séculos antes era oculto encoberto da sociedade por um véu de hipocrisia e impunidade.
    John Campbell ouviu então um diálogo entre alguns dos dominadores que eram mimados com todos prazeres inimagináveis e cobertos com toda impunidade do mundo.
    - O que fez? – Indagou o carrasco que segurava um homem que antes acima do peso agora estava esquálido.
    - Estuprei duas mulheres do gueto. - Respondeu opressor sorrindo como se tivesse sido muito prazeroso.
    - Tá bom, tá bom, então seu párea, Gresno, é tarado ainda que seja virgem. Culpe ele de tarado.
    Aquela maldade sem fim tinha mais paralelo com a mais profunda loucura onde egos cauterizavam qualquer empatia consciente que houvesse com a aflição e medo alheio. Assim eles depararam-se o párea em questão, Gresno Machado era outrora autor e ativista virtual, em termos de originalidade e qualidade escrevia como poucos, queria constituir família, apenas ser reconhecido e se pagar pelo seus livros, mas ao invés disto fora saqueado e humilhado no gueto, era um dos "perdedores" da Grande Revolução instaurada décadas atrás numa tentativa de por fim a tudo que não fosse imparcial, transparente e impune. Não conseguiram e assim minguaram uma malograda derrota amarga o qual os algozes perpetradores de todos os males ocultos se levantaram com grande ódio a estes ativistas. A vitória deles acabou com o mundo como era conhecido. Gresno sob os gritos de quem vociferava 'perdedor' enquanto levava tomates, xingamentos em praça pública com o ódio destilado profundamente daquele povo o qual o Ethos era medieval, falam que ele não era nada, não tinha talento nenhum e sendo escarnecido e humilhado foi levado a ser morto covardemente sob aplausos de uma multidão animalesca.
    Hellen Daniels desmaiou com o choque daquela cena o qual por palavras não seria adequado traduzir e muito menos mostrar.
    Uma mensagem no telão ao fim da morte do párea mostrou: 'Nossa vitória depende de seu massacre! Progresso exige sacrifício!'
    Discretamente carregada os demais membros da tripulação mal conseguiam segurar as lágrimas ao ver a humanidade destituída tão profundamente de sua identidade e do que era melhor, os mais formidáveis sonhos deram lugar aos mais insidiosos pesadelos o qual somente a mais doentia imaginação poderia ser capaz de prever com precisão sem que soubesse de seus precursores outrora ocultos.
    A capital dourada dos opressores era duma beleza luminosa, rigorosamente limpa não havia quaisquer sinais de crime, vandalismo ou pichações tudo acontecia eram nos guetos cujas portas estavam perpetuamente fechadas para a liberdade e o direito de suas vítimas.
    Aquele pesadelo sem fim destituiu todo sentido da vida dos tripulantes que agora deprimidos pensavam mesmo eles que o melhor seria morrer. Porém, revoltado, John Campbell teve a brilhante ideia de um último ato contra aquele mundo iniquo, aproveita a poderosa tecnologia de propulsão de sua nave para provocar uma fissão nuclear sobre a capital dos dominadores. Um dos membros da tripulação deveria realizar a tarefa suicida de jogar a nave sobre a capital e acionar a explosão daquele mundo diabólico.
    Hellen Daniels tapou os ouvidos ao passar ante mais um deprimente anúncio das grandes telas espalhadas na cidade, esta na capital com propagandas próprias aos dominantes opressores em que dizia: "Adquira seu párea, para humilhar, torturar e matar! Somos os maiores acabamos com os perdedores!”
    A nave encoberta pela vegetação para que não fosse descoberta pelos sequazes do despotismo vigente rapidamente teve as adaptações requeridas para efetuar seu derradeiro voo de forma a provocar o maior dano possível ao ninho daquelas víboras o qual eram incansáveis em fazer todo tipo de opressão e injustiça.
    Sentindo-se isolados como seus oprimidos a tripulação já não tinha mais grandes esperanças de constituir uma vida plena naquele mundo onde se quer seus dados de missão foram compartilhados numa sociedade onde a pseudociência e a antiética era normativo e justificativas para suas maiores atrocidades.
    Hellen Daniels se candidatou a pilotar a nave ante os insociáveis e dialogáveis opressores, toda aquela amargura que outrora era velada como um segredo dos avarentos e gananciosos bancários e suas seitas sofreria um golpe fulminante pelo que resto que presta da humanidade.
    Com os olhos mareados pela nostalgia de um tempo o qual alguns ainda conseguiam viver uma democracia, ter reconhecimento e colher seus frutos, Hellen despediu-se de seus amigos de ciência fintou o horizonte de modo saudoso com a Terra passadinha e adentrou a nave a decolando silenciosamente. Aquilo era pelo que de melhor a humanidade um dia tivera, por todos aqueles que foram impedidos de viverem suas vidas na segregação do abismo a eles velado, e que nunca puderam ver a luz do reconhecimento diminuindo todo significado de vida a números estatísticos.
    Os astronautas contemplaram a nave desvelar o horizonte até que um clarão engoliu a capital vaporizando o diabólico séquito de déspotas ainda que soubesse que como baratas os demais lutariam para impor seu estilo de vida parasita as suas vítimas. Como um enorme bólido o qual tornou-se um cogumelo as construções imponentes da capital deram lugar a ruínas e uma nuvem espessa a sobrepôs arrastando as vidas sem propósito daqueles monstros ao abismo que eles criaram.
    Tão logo houveram tumultos nos guetos de modo a dar lugar a uma resistência que se tornou revolta e a revolta revolução para combater aqueles insociáveis que por décadas subjugavam eles numa condição de humilhação ultrajante, o submundo voltaria ao esgoto de onde veio e como baratas apenas viveriam de segredos como convite a inocentes curiosos sob promessas de terem os segredos da vida revelados quando apenas se tornavam seres gradualmente sem alma e consciência. Aquela loucura teve fim e nenhuma palavra mais fora usada sem o verdadeiro sentido original que lhe apraz, a doença fora erradicada, e os colegas de missão que restaram passaram narras suas desventuras no universo onde tiveram a oportunidade de ver um passado daquele planeta que por milhares de anos sofrera guerras e violências. Todo mal que a humanidade sofreu não poderia ter sido inutilmente, aquela história fora contada para que nunca mais se repetisse.

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