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sexta-feira, 6 de maio de 2016

Trecho do Conto Corvo Branco

Abaixo publico a parte inicial do conto 'Corvo Branco' parte da antologia 'Todas Formas de Sonhar'.

Europa, 2096
O ser humano sempre fora ávido pela busca de padrões, mas o que mais lhe deixa absorto e exultante é vislumbrar o âmago do inusitado que se instala como um mistério além padrões a urgir como perguntas sem resposta e de impossível ombrear com seu conhecimento. Todos os corvos são pretos pois és um padrão, mas intimamente nada mais gela sua alma que vislumbrar um corvo branco como epitáfio da razão, levando este a questionar a realidade.
    Mas era justamente isso que buscava o astrônomo Rick Bostrom, pós-PHd e laureado afortunadamente como ilustre membro da sociedade de ciências real.
    Rick Bostrom não ostentava seus títulos que eram consequentes de seu trabalho acadêmico incansável, era comedido e limitado apenas a sua produção literária e pesquisa debruçando-se nos horizontes o qual a ciência ainda não desbravou, as incógnitas que confluíam ao desconhecido.
    Austero, Bostrom era versado nas mais variadas ciências de modo enciclopédico, pois nos estudos da cosmologia compreendia o enclavinhar interdisciplinar mais sucinto aos rincões de muitas ciências em suas fronteiras ainda que ele declinasse a sua origem, a filosofia.
    O homem era de média estatura, vivia parte do tempo recluso em seu gabinete ou nos laboratórios do eCern de modo que poucos eram os que viam seus olhos castanho escuro e seu cabelo desgrenhado como a de um cientista louco, um clássico na literatura ambulante. Normalmente usava seu jaleco branco sobre um blusão quadriculado com uma gravata borboleta enquanto seus olhos escuros mergulhavam com acuidade nos estudos eternamente em busca do desvelar definitivo.

    - Como tudo indica a veracidade o princípio antrópico! – Exclamou ele sozinho em sua sala ao analisar dados de uma simulação computacional feita por seus alunos baseados nas probabilidades de vida extraterreste. - O universo fora criado para suportar vida não somente terrestre ou tudo é uma piada cósmica de um Deus.
    - Doutor. – Disse um dos alunos de doutorado ao se aproximar tirando-o de seu estado absorto. – Apesar da alta probabilidade de não estarmos sozinhos no universo a simulação indica que estamos!
    - Isso é uma anomalia! A vida é uma anomalia! – Exclamou ele exultante. - Estão sozinhos no universo como uma prova do universo ser uma improvável anomalia probabilística.

    De acordo com os estudos de seus colegas cientistas, mais precisamente os estudos de Adam Frank, da Universidade de Rochester (EUA) que dá o próximo passo na equação de Drake propõe que a possibilidade de não existir vida extraterrestre seria somente se a possibilidade fosse menor que de 1 em cada 10 bilhões de trilhões. Como então aquela simulação por eles feita poderia isso indicar? Um dos dois estudos deveriam estar errados!
    Algo no limiar do falseável parecia ser um conluio divino para compreender um segredo que respondesse todos os segredos de modo que naquela noite Bostrom não dormiu por ter seu sono esfacelado pelas interrogações que lhe movia.
    Curiosamente aquilo fortalecia ainda mais a teoria do universo simulado, pois o princípio antrópico era um de seus argumentos defendidos por Rich Terrile do Oxford University Future of Humanity Institute. Do paradoxo de Fermi a conceitos da mecânica quântica que eram totalmente contrários a física clássica conhecida por “analógica” não bastando o comprovado “efeito observador” e o “entrelaçamento quântico”.
    No efeito observador a mecânica quântica parecia indicar realidades alternadas de possibilidades ínfimas coexistentes até ser observado como se fosse uma simulação dependente de nossa observação.
    Haviam ainda conceitos que indicavam um universo pixelado aos raios cósmicos e uma possível grade de simulação nas bordas e limites do universo observável procurados por Silas Beane da Universidade de Bonn.
    Eram muitos os indícios de “falhas na Matrix” que intuitivamente postulavam a ideia de que alguns fenômenos eram muito incomuns aos padrões para serem naturais. Como corvos brancos havia coisas que simplesmente não deveria existir no universo como galáxias com formas inexplicáveis e buracos negros inativos.
    Mas dentre todos os mistérios incompreensíveis aos relés mortais que eram a do grande vazio de Eridanos era o que mais fascinava. Uma extensão do universo ausente de qualquer matéria tangível, nem estrelas ou quaisquer poeiras estelares.
    Bostrom se viu refletindo ante a televisão pela madrugada enquanto passava o filme clássico Décimo Terceiro Andar. Quando se deu conta ele desliga a Tv e vai para a cama, mas apenas para se mexer durante toda noite.
    Fora assim que ao amanhecer, Bostrom, ao ligar seu televisor da hipernet recebeu a inefável notícia de que algo sem precedentes explicáveis fora descoberto no meio do vazio de Eridanos, algo colossal, um abismo dentro do abismo, um buraco negro aparentemente intativo.

    - Não sabemos explicar como nem os motivos disto existir, apenas está lá. – Disse um dos cientistas na entrevista até ser interrompido por outro jornalista.
    - Rumores indicam que nossa tecnologia de propulsão no vácuo atual  seria capaz de nos levar até esse ponto do universo, verdade que há planos para uma missão até o lugar.
    - Apesar da tecnologia de wormholes torna possível virtualmente viajar a qualquer ponto do universo somente se houver algo na outra extremidade que o atraia tornaria possível... – disse o cientista quando a campainha do apartamento de Bostrom tocou.

    Deixou a televisão da hipernet ele se dirigiu a porta de seu apartamento que ao abrir deu-se de cara com um homem negro de terno empunhando uma carta em mãos. Com um cordial “bom dia” o jovem homem estendeu-lhe as mãos dizendo apenas que era um convite sigiloso.
    Bostrom sem nada dizer por estar surpreso estendeu sua mão e pegou o envelope relutante, mas que por igual curiosidade lhe moveu até abri-lo e para sua surpresa dizia.

AEI – Agência Espacial Internacional
Convidamos ao Dr. Rick Bostrom que compareça na próxima sexta na sede da AEI a participar com seus dons da Missão Eridanos.

Cordialmente,
Edgar Forest, diretor do AEI.

    Ao ler aquilo um burburinho em sua cabeça fervilhou sobre as possibilidades que se abriam diante dele. Rick Bostrom fora para o centro de pesquisas exultante e mal se controlava de ansiedade para aguardar o referido dia do encontro.
    Os dias de semana passaram-se lentamente como uma espúria tortura temporal, mas o dia chegou e assim ele se dirigiu ao centro da AEI mostrando suas credenciais. Ao adentrar imediatamente ele identificou outros homens de ciência de renome, todos perfilando uma enorme tela branca que tão logo lançou imagens tridimensionais ante eles.
    O vídeo era uma sensorial explanação da tecnologia transdimensional de viagem ainda pouco explorada pela AEI por obrigar o surgimento de novas disciplinas espaço-temporais de compreensão. Tão logo surgiu na tela uma imagem de Edgar Forest que lhes falou.

    - O grande abismo de Eridanos, como fora chamado, na realidade fora descoberto há cinco anos atrás. Imediatamente notamos que algumas simulações de wormholes confluíam naturalmente para esse misterioso evento celeste que como se percebe somente agora fora divulgado por carecermos de apoio financeiro popular para nossa missão.
    - Porque vocês não enviam uma sonda pelo vórtice? – Sugeriu um dos cientistas presentes quando então a imagem respondeu.
    - Na verdade enviamos e os resultados são surpreendentes.- Respondeu Forest.
    A imagem mudou mostrando um turbilhão de dados e ruídos intraduzíveis quando uma imagem difusa surgiu na tela com a mensagem ‘Unknow Event’.

    - O que isso significa? – Indagou Rick Bostrom por todos colegas presentes.
    - Esses dados foram os últimas mostrados pela sonda antes de sua capitulação ou desaparecimento. Ao serem decodificados não fazia sentido as leituras por ela capitalizadas por um simples motivo, ela adentrou uma realidade diferente não somente em frequência atômica como de dimensões.
    - A sonda não fora destruída pelo buraco negro? – Indagou outro cientista.
    - Não, na verdade, o que encontramos não é um buraco negro, mas um buraco em nosso universo que desemboca numa dimensão desconhecida. – Respondeu Forest.
    - Por Deus! – Vociferou um dos homens de ciência presentes. – Por que isso não fora divulgado, essa descoberta poderá mudar tudo!
    - Talvez não estejamos sozinhos enfim. – Disse outro homem ao lado de Bostrom.
    - Por que estamos aqui exatamente? – Indagou Bostrom ao Forest na tela entre o burburinho que se formava a seu redor.

    O enorme rosto de Forest sorriu e então a tela se apagou, logo em seguida saindo Forest pessoalmente diante deles.

    - Fora um espetáculo em tanto, admito, mas sem necessidade. – Retrucou Bostrom. – Parece querer aspirar a um Mágico de Oz.
    - Longe de mim tais fantasias. – Respondeu Forest – O motivo dos senhores estarem aqui é que estamos desenvolvendo uma missão tripulada até ao portal.
    - Missão Eridanos. – Disse Bostrom tendo um aceno positivo de Forest.
    - Vocês foram selecionados para desenvolver a tecnologia além universo para a missão e selecionar os tripulantes que serão inicialmente sigilosos.
    - Por que? – Indagou um dos homens. – Quem garante que as leituras não foram falsas ou uma ilusão.
    - Por que nas bordas do vórtice a sonda fez leituras que indicaram que as leituras ilusórias são a de nosso universo. – Respondeu Forest Exultante – Como se percebe está em jogo muito mais que a descoberta de outro universo, mas da natureza de nossa realidade.
   
    Com um controle nas mãos, Forest colocou na tela imagens do sinal enviado da sonda ao virar-se em sentido contrário à da entrada do vórtice numa tentativa de não ser tragada. O que registrou era que o universo deles parecia não somente se desfazer, mas literalmente se dissipar como uma imagem tridimensional como aquela projetada pelo centro do AEI. Dados estatísticos realizaram, naquele momento, leituras nunca realizadas de nosso próprio universo que contemplavam e evocavam uma espécie literal de falha na própria composição do espaço e de todas possíveis leis físicas.

    - Não sabemos o que pode acontecer no mundo se a notícia de que o nosso universo não é real vazar, muitos talvez queiram saquear, matar e se matarem num pandemônio, por isso a Missão Eridanos será inicialmente sigilosa até que tudo seja capitalizado por uma tripulação qualificada.

    Aquilo deixou todos atônitos, mesmo para algumas das mais brilhantes mentes presentes parecia perplexa diante da real possibilidade de que uma teoria do começo do século XXI fosse verdade, se nosso universo fosse uma ilusão o que haveria do outro lado daquele “buraco na matrix”? Que realidade os esperava? O que criava nosso universo? Fosse o que fosse o que eles haviam descoberto não era apenas um corvo branco, mas um mistério para resolver todos os outros mistérios.
    Quando Rick Bostrom retirou-se após aquela reunião, estava imergido em pensamentos introspectivos quando adentrou seu veículo de direção automática. Temendo não ter controle sobre sua vida, Bostrom tirou a direção automática e seguiu dirigindo o veículo manualmente mesmo ante os inúmeros alarmes. Ao invés de ir para sua casa, Bostrom seguiu em direção a uma das últimas plantações de milho que existiam no mundo, pois toda produção alimentar de carnes e vegetais era em laboratório.
    O carro seguiu em seu silêncio enquanto de repente, Bostrom, viu um bando de corvos darem uma revoada sobre a plantação quando notou algo peculiar entre eles, uma ave branca. Bostrom freio o carro bruscamente tocando os pneus no asfalto e saiu do carro. O que ele vira fora um corvo albino sem pigmentação na penugem.

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