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quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Teogonia da Ficção

O gênero terror na literatura muito provavelmente tem origens dantescas por aludir visíveis influências da obra de Dante Alighieri (1265-1321), digo a 'Divina Comédia' que inclui Inferno. As figuras do mal nelas representadas são deletérias ao execrável que aludem uma crítica ao mesmo. Essa influência da literatura cristã assim se tornaram presentes em 'Drácula' de Bram Stoker e tantas outras obras como crítica aos resultados de profanas obras que remetiam a um mal visceral. Somente com o surgimento de pensamento mais racionais oriundos de movimentos filosóficos esse gênero buscou associar-se a elementos científicos ou pseudocientíficos como 'Frankestein' de Mary Shelley que logo se tornou precursor do gênero ficção científica. Porém, apenas com o resultado desse pensamento racional histórias de terror passaram a ganhar contornos estéticos do ateísmo indo as concepções que muitas vezes transpassam a crítica ao mal a se tornar uma quase glorificação do mesmo pela banalização niilista de sua injustiça, iniquidade e ódio que perfigura uma espécie de antideus ainda que colocado como oposto. Porém, o cerne de exposição do mesmo quando mantido depõe contra si mesmo a mentes lúcidas e coerentes, objetivo meu na minha literatura. Desde Dante temos a figuração antagônica das figuras do Inferno e Paraíso, a primeira em correspondência a todo sofrimento, medo e dor enquanto o segundo demonstra-se pela ausência do mesmo. Esse dualismo explicita uma natureza inerente ao que expressa exatamente seus expoentes pelas figuras de Deus e o diabo e do qual de seu cruzamento está o mundo como campo de batalha para ambos. Sendo assim tal gênero em sua origem expressa uma teogonia. Logo não busco desfigurar a verdadeira natureza do papel do gênero como responsável crítica cristã aos zelos da moralidade e valores correspondentes.

Tais histórias originais estão carregadas de significados que visam criticar a niilidade imoral do mal sem banalizar a maldade. A ideia dos vampiros, por exemplo, remete a ideia de algo sem consciência, irrefletida sobre as próprias maldades e que por isso não são capazes de se enxergar no espelho, sobretudo por serem o oposto da luz, afinal as trevas não refletem. Similarmente sua imortalidade parece remeter a busca alquímica pela fonte de juventude que por isso torna necessário o derramamento de sangue pelos vampiros para mantê-la numa associação da niilidade da maldade com o que é jovial pois o sangue representa a vida desde os tempos de Jesus. Tal ser não suporta a cruz que alude ao cristianismo que antagoniza e muito menos ser exposto a luz como significado do obscuro e doentio que se revelado se dissipa, pois pertence a escuros segredos que a noite encobre. 

Trecho do Prefácio da antologia 'Além da Realidade'.

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