A Dra.Gema Hikma acordou de um sonho angustiante, nele via uma menina que parecia alertá-la de algum perigo até que acordou rufando os pulmões e se arrumou para o trabalho. Dra.Gema era uma neuropsicóloga que investigava padrões sintomáticos em diversas psicopatologias potencialmente novas ou raras. Observava como padrões de organização de informações eram organizadas no cérebro humano por meio propício as suas condizentes volições.
Ao contrário dos antigos gregos ela acreditava que não eram possessões de divindades como oráculos da insanidade dantesca, mas um acesso coletivo a um fluxo informacional donde os delírios formavam mesmo padrões simbólicos comuns no inconsciente. Disso havia um paciente que ao não ser capaz de discernir certo de errado, por não saber a diferença entre ficção e realidade, sua volição conduzia sua crença submissa a sua vontade arbitrária a quaisquer regras sociais e fatos. Para ele que pensava ser a personificação do próprio Napoleão Bonaparte dizia estar sendo injustiçado ao ter tais confissões gravadas em atos condenáveis. Tudo pelo motivo do qual ele acreditava que a realidade era uma ilusão fictícia criada por alguém muito cruel a força-lo ser reputado por seus atos de livre escolha, quando seu direito divino era napoleônico. Para este o agravo era que havia apenas as realidades alternativas do multiverso Marvel e aguardava ansiosamente para que o Doutor Estranho o libertasse daquele mundo inferior e fictício. Era obeso e seus cabelos platinados denunciavam a proporcional senilidade, mesmo com óculos fundo de garrafa ele não era capaz de enxergar a realidade com objetividade senão a interior.
Morena, a Dra.Gema ficou apreensiva naquela consulta deixando-a ainda mais corada quando ele disse.
– A Grande Escola dos Mistérios da Loucura irá me tirar daqui. Eles tem contato com um mundo donde haviam homens semelhantes aos deuses, com habilidades extraordinárias de plantar repolho e colher batata, fazer males sádicos e torpes e provarem serem heróis, pois estando acima da verdade e da constituição (e de qualquer suspeita ao serem incriticáveis) mesmo os fatos se curvavam ante eles, como a luz faz ante a singularidade do buraco negro.
– O multiverso é uma loucura ou a loucura é um multiverso? O senhor sabe que por mais divertido que sejam estes filmes eles são apenas fantasia? Não precisa matar invadindo escolas ou estuprar por eles! O multiverso é apenas uma conjectura física criada em meados do século XX! – Repreendeu ela.
– Apenas libertei essas pessoas de seus corpos dessa realidade para que purificadas elas se tornasse puras noutra realidade! Fiz um favor e deveria ser pago por isso, pois eles nasceram apenas para sofrer. Me exilar novamente aqui prova que você arranha apenas a superfície! Você é louca de ir contra a ira dos deuses das esferas de realidade! – Resmungou ele dopado, ainda babando. Ao vê-lo se contorcer de ódio um enfermeiro o colocou de volta na cadeira de rodas e ela se levantou finalizando a gravação.
Após terminar a consulta uma nova ressonância fora feita nele e acrescida ao relato dos sintomas parecia descrever outros casos incomuns. O ego inflamado e inflado em megalomania fazia estes gerarem em sua mente universos totalmente desalinhados a realidade, mundos mentais onde eram deuses e personalidades históricas. Ela passou a classificar aquilo como surto psicótico egorrágico por ter como principal traço um senso de superioridade totalmente irreal as suas habilidades intelectuais e sociais, acreditando mesmo em sua mentalidade ser capaz de mudar a verdade dos fatos, mas nunca sua mente. A maior ambição do diabo em tornar verdade em mentira é o mesmo que tornar Cristo em Anticristo, tanto como o oposto.
Logo, ela pegou o gravador e narrou mais comentários e anotações onde ante o surto agressivo de tais alucinações levavam estes pacientes a crimes horríveis sem menor remorso e destroçando vidas em seu caminho.
– Os surtos psicóticos apesar de esporádicos são persistentes e pontuais ao apresentar curiosamente episódios que apesar de entorpecentes como alucinógenos apresentam uma estrutura de padrões análogas a narrativas, como se uma função mínima de racionalidade inconsciente ainda gerasse certa coerência além volitiva, mesmo que antagônicas as regras sociais e éticas tanto quanto fatos da realidade. Curiosamente o uso de algumas drogas parecem gerar efeitos similares em seitas e o caso de um paciente parecia similarmente não alternar múltiplas personalidades, mas realidades mentais por onde vagueava. A interpretação de que seriam múltiplas personalidades são equivocadas, é como se uma só personalidade vivesse várias realidades internas distintas. Ainda que neste caso ele não sentisse ódio sobre-humano os demais como meu paciente sim, similarmente ao trio que matou um autista acusando-o de todos males que apenas eles mesmos faziam.
Antes que ela prosseguisse alguém bateu a porta a interrompendo, era o enfermeiro. Um loiro alto com rosto cheio de acmes.
– Dra.Gema, há um médico com um policial querendo falar com a senhora.
Dra.Gema levantou-se apreensiva e descontente por ter sido interrompida em sua avaliação clínica dos sintomas e históricos dos pacientes. Porém, se dirigiu até os dois abrindo um sorriso educado.
– Olá, Dra.Gema, trago aqui um pedido de transferência do paciente Augusto Veiga para nossos laboratórios.
– Qual laboratório? Ele é um paciente de alta periculosidade! – retrucou ela.
– Escola dos Mistérios da Loucura. Somos uma instituição vinculada a um consórcio privado de pesquisas ao governo.
Gema ficou consternada pois nunca havia ouvido falar daquilo, o nome soava de alguma seita, todavia o documento expedido era legítimo e assinado pelo procurador que havia antes o encaminhado para seu manicômio judicial experimental, aonde realizava as pesquisas da Ciência Comportamental Avançada. Mesmo que hesitante ela assentiu ao enfermeiro que prontamente o pegou.
Todavia, descontente com o documento ligou para o procurador que alegou ter sido obrigado a tal ofício a mando de um senador. Gema pegou o endereço do referido lugar e para lá se dirigiu ao fim do expediente. Observou Augusto Veiga ser tirado numa maca da ambulância ante instalações que pouco lembrava um hospital. Antes sem qualquer nome tinha apenas o desenho de uma cabeça com uma rosa desabrochada dentro, em meio a raios. Ela saiu do carro e na surdina se esgueirou por um beco ermo donde no escuro poderia observar os fundos das instalações para onde o homem fora levado. Desconfiada, logo ela percebeu que seus receios tinham fundamento, pois o que ouviu era estarrecedor.
– Esse conseguiu submergir mais na fonte da Loucura Ancestral das divindades. O demônio de Maxwell pode nos dar dados que permitam aumentar previsões e manipular a realidade. – Comentou um doutor resmungando.
– Dr.Alvaro Watchman discorda. E não quer saber de seu dinheiro desperdiçado. Um fluxo de inexorabilidade pode apenas ser rompido burlando leis físicas. – Comentou o outro homem vestindo um terno preto.
– Olha, o que vocês transportam naquelas caixas da All-tomato é de alto risco e pode comprometer toda operação de invasão.
As cobaias confirmaram que dentre dimensões há constructos de realidades inacabadas onde leis físicas indefinidas flutuam no espaço entre espaços e por isso uma abstração na falta de coesão material permeia como em sonhos e a insanidade por onde adentram as mentes. Mas caso as drogas e tecnologias sejam descobertas pode levar a um escândalo internacional.
– Apenas importa que conseguimos ultrapassar o limiar quântico do mundo físico. Os progressos satisfatórios serão relatados, aludem as dimensões donde um substrato de informações puras circulam como arquivos Akashicos.
– Esse aqui acreditava que o multiverso ficcional da Marvel existe e pensava se comunicar com o doutor Estranho! Parece ser um colateral.
– Há varias pesquisas anteriores, certo. O que sabemos é que nessa dimensão os sonhos simbólicos se cruzam em todas mentes e mesmo poderiam vaguear a outros tempos. Pode será fonte de fluxo da imaginação humana acessível por hiperconsciências alteradas. Tivemos um paciente que alega mesmo um mundo onde há indústrias de sonhos e transferências transtemporais de consciência ocorreram ao passado.
Ao ouvir aquilo repentinamente um rato cinza surgiu sobre ela a assustando, e caindo para trás. Com isso as latas de lixo do beco viraram chamando a atenção deles. Ela se levantou e tentou correr, mas a cercaram. Aqueles cientistas eram tão loucos quanto os pacientes e cobaias, porém, os seguranças a cercaram e sabendo o que ela havia ouvido a capturaram, levando-a para dentro.
– Acho que temos mais uma paciente para o Grande Hospital dos Horrores. – Comentou o segurança debochando.
– Dra.Gema, que maravilha. Antes de torna-la nosso produto podemos fazê-la dar sua contribuição a ciência da loucura, antes de virar uma bolsa de sangue. O fluxo de informação dimensional pode corromper facilmente as mentes mais fracas, por isso o nome de nossa empresa. Mas iremos logo descobrir o quão forte é sua mente. – O homem terminou de falar e assentiu a um enfermeiro que a amarrou na maca e pôs uma touca de eletrodos na cabeça. Pegou um frasco da misteriosa droga experimental e numa seringa injetou nela. Ela se remexeu, mas logo aquilo se tornou espasmos até cessarem ao desacordar. Num último pensamento pegou seu crucifixo e o segurou entre os dedos pensando:
'O amor é escolha, medo não. Por isso amo o Deus do livre-arbítrio, por escolha!'
Todavia, tudo se apagou e logo ela parecia contemplar seu passado quando ao virar para outro lado viu a figura que vira no sonho da noite anterior, era sua filha que nunca havia nascido.
Todos trazemos coisas do passado, pois somos feito por eles, não dele ou ele. Porém, as vezes o futuro nos trazem coisas como quem nos carregassem com ele nos elos lineares da causalidade. Tais coisas vindouras não são fixas, todavia ainda que flutuantes há um fluxo de possibilidades. Essas coisas do futuro são ligadas em nós como nós somos ligadas as passadas, carregadas no que somos, pois para eles somos igualmente lembranças de informações ancestrais. Ainda que estas não nos definam nos orientam rumos e quando tais coisas dos futuro nos vem antes que cheguemos a elas, é por um propósito além o esmo das arbitrariedades. No entanto, similarmente o crime segue uma linearidade, pois nunca vem só. Antes como um cordão de sujeira se sucede na linha da crueldade donde em sua causalidade crime sucede crime, erro sucede erro, para reforça-los em si mesmo como poder. Essas linhas diferentes tentam frequentemente se subscrever ao se emanar na tentativa de romper linhas da honestidade. Para estes aterrorizar pelo ódio e crimes é recurso dos fracos de caráter e intelecto que temem o que não são capazes de entender ou vencer pela razão.
Conto da antologia 'Verboversos' de minha autoria.
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