Meu nome é Emília Soares, sou uma obesa filha ilegítima, negra e lésbica de 67 anos. Tenho esquizofrenia e Q.I. de 88, e me sinto frequentemente com baixa estima como se fosse inferior, me sinto um lixo como se encarnasse todos os deméritos humanos, amaldiçoada meramente por ter nascido. Tinha medo de me encarar no espelho e sempre que o fazia chorava angustiada por ser o que era, e pelo que passava por isso.
Ao sair nas ruas pessoas predominantemente caucasianas me hostilizam sem ter feito qualquer delito. Os homens em particular gritam.
– Ei, sua nega maluca velha, a única forma de te curar e te torturando até desencarnar desse corpo pra reencarnar mais evoluída. – Vociferou o homem após olhar para baixo, na margem da rua e escarrar. – Num mundo de “mentes e corpos são” você já era pra estar extinta!
O ano de 1988, após o nazismo ter vencido não era muito bom, e percorrer aquele percurso na rua todos os dias até meu gueto no Congo era uma via crucis diária. Mas tinha que cumprir minha cota de trabalhos forçados até chegar minha vez na "Solução" pois a demanda do genocídio na África era mais alta até que na Argentina. Enquanto isso professores enviados para reunir provas de nossa inferioridade como subespécie humana vinham donde minha amiga falava ser a Universidade do Ódio do qual alegavam ter sido o berçário de um vírus que fora criado para eliminar pessoas inferiores como eu. Eles gostavam de dizer que algum dia existiria de nós apenas alguns exemplares empalhados no museu de história natural e humana onde eles planejavam mostrar toda decadência humana vencida pelo glorioso Reich de mil anos, da pureza do sangue e solo.
– Ei, por preta maluca. Te quero empalhada lá no museu! – Falou certa vez o doutor. – Agora você sabe que é uma amaldiçoada nesse mundo não? Nasceu apenas pra sofrer e fazer os outros sofrerem como se fosse uma praga. – Terminou ele rindo.
O museu em questão teria mesmo exemplares 'repulsivos' da chamada família nuclear do qual alguns alemães debochavam dizerem ser uma "bomba", mas não dá pra negociar com negacionistas obstinados na pseudociência ante meu mal-estar.
E fascistas dividiam tal fascínio com os nazistas sob o domínio do mundo pós guerra e que agora havia derrotado os também vencedores, os japoneses. Na verdade, viver naquele mundo era o castigo, e as vezes pedia para que o vírus gene specifc tivesse me matado.
Passei semanas assim até que um dia não resisti e cortei os pulsos no meu quarto, num gueto qualquer do Congo. Tudo se apagou e então me sobrevieram várias outras sensações e lembranças, como se eu fosse outra pessoa. Fora então que ouvi uma voz dizendo.
– Interrompendo a suspensão de memória, desativando a amnésia induzida, senhor Arasaka!
– Ele está recobrando a consciência?
– Sim, respondeu de modo fortemente emotivo aos estímulos da simulação ante a suspensão de memórias e a geração da sensação memorial simulada. Parece arrependido! O Projeto Mriya é um sucesso!
– Ótimo, a penalidade fora comprida, as leituras sinápticas demonstram arrependimento e empatia genuína!
Ao abrir os olhos e um japonês me mostrou um espelho e então recorde-me quem era, um caucasiano loiro e misógino adepto da KKK. Virei para o lado e vi em minha pele branca as tatuagens que isso aludia, e vim as lágrimas. Repentinamente me senti como a encarnação de todos deméritos humanos! Estava naquele semi-leito de simulação há dois após ser condenado por agredir uma mulher negra por motivo torpe. A pena era essa no ano de 2055, você passar um tempo proporcional a gravidade do crime cometido em simulações ultrarrealistas. Do meu lado um outro caucasiano, meu amigo de irmandade Igor Stephens que lá estava ha um mês por ter estuprado duas mulheres por meramente elas terem defendido um autista pardo.
– O mundo simulado que ele está é tão ruim quanto o seu. Um futuro distópico dominado por vampiros. Sua simulação era seu purgatório sob medida dentre nossas centenas de simulações negativas.
– Agora eu sei o quão errado era! – Lamuriei em prantos e soluços. – Me arrependo!
– Pois caso reincidência no crime e agravo, você para a simulação que está aquele senhor barbudo ali. Uma simulação do inferno onde encontra todos déspotas e tiranos da história humana! Você quer? Alguns sádicos sem cura que não respondem a terapia virtual parece até gostar! – Completou o Dr.Arasaka sorrindo e balançando a cabeça.
Balancei a cabeça em negação ao enxugar as lágrimas como uma criança.
– Dizem que esses mundos são reais. Como pode?
– Há simulações que estamos desenvolvendo que abrangem universos com mais dimensões que este de modo que os sentidos sensoriais não são capazes nem de entender. No mais apenas casos agudos de sociopatia a consciência cauterizada não é capaz de aderir. Mas existem teorias altamente especulativas de que tais universos simulados emparelham com possíveis mundos paralelos. Só que não existem provas da existência do multiverso. Há uma simulação que prega que até essa realidade é uma ilusão escrita num conto! Vamos, levante agora!
Levantei-me questionando aquela realidade ser tão real quanto a que vivenciei e fiquei pensando nos mundos virtuais utópicos que eles também tinham e eram vendidos em pacotes experimentais de turismo virtual, universos futuristas de viagens no tempo, viagens a outros planetas. A ficção científica parecia estar se tornando cada vez mais real ao contrário da ilusão patética da discriminação!
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