O trem marchava num ritmo constante e frenético como a sinfonia que dava sintonia a loucura dos que lá dentro enlatados estavam ao serem levados como gado num vagão de carga. Eventuais choros e gemidos eram ouvidos entre espasmódicos gritos e lamúrias. No meio daquilo John Roberts estava consternado após ter perdido a memória, e arrastando sua língua cheia de sotaque aos nativos tentou estabelecer algum diálogo de localização. Porém, as vibrações do trem abafavam quaisquer tentativas de sensatez ante o ribombar permanente de seu ruído, até chegar a uma estação.
– Malditos nazistas! Me mandaram para um campo de extermínio! – Vociferou Roberts perturbado ao ver homens uniformizados empurrar as pessoas para fora aos gritos.
Estes saiam e se organizavam em fila em indiana diante de um grande portão de ferro. Portão aberto a desvelar edificações em tijolo tal como Auschwitz donde ele agora fitava corpos nus estirados ao chão. Ainda em rigor mortis ao posar com braço e pernas duras como estátuas das misérias humanas estes pareciam incólumes ao avalia-los. Disso um homem de jaleco falou para o outro.
– Este corpo aqui está bom para os estudos daquela faculdade de medicina do Sul do Estado. Bate com os pedidos deles.
John Roberts passou entre os corpos notando os olhares opacos e baixos dos mortos e dos que eram empurrados como uma sina em comum.
Uma vez porta a dentro as roupas deles eram tiradas e seus cabelos raspados desvelando o interior da instituição donde as pessoas enlouquecidas dormiam na lama e comiam ratos. John Roberts tremeu até os ossos e quando chegou sua vez diante de um senhor de jaleco e barba branca vociferou.
– Malditos nazistas! John Octavios irá me tirar daqui e irá denuncia-los a CEET, deve ser obra de Designnium!
Naquele momento um enfermeiro pegou uma prancheta com sua ficha e falou para o médico.
– Senhor, esse não tem documentos e identidade, foi pego perambulando pelo centro do Rio, desorientado e acha que somos nazistas.
Naquele momento, o médico caiu na gargalhada batendo na mesa dizendo.
– Essa loucura é uma infestação, como os crioulos alcoólatras! Ainda bem que veio para o lugar certo, no trem dos loucos. Bem-vindo ao hospital colônia de Barbacena. – Completou o doutor fitando-o com cara de desdém a seus olhos. – Espero que goste da estadia que lhe temos reservado.
Um empurrão o fez ir a frente e ao lado de outros mais, mães solteiras, negros desempregados, alcoólatras e qualquer pessoa que fosse um desagrado àquele mundinho medíocre. John Roberts não via diferença, mas a negra lá enviada após supostamente ter roubado o patrão e negar como doméstica era enfática ao mencionar.
– Estamos na década de 1960, querido. Vencemos o nazismo. Sinto muito, porém, quem não é louco ao vir no trem dos loucos acaba por ficar.
– Como um paradoxo, ou uma profecia autorrealizável? – – Conclamou Roberts atemorizado.
A senhora negra assentiu balançando a cabeça.
– Você visivelmente não é do Brasil. Pelo sotaque parece bem instruído.
– Caso eu lhe dissesse minha origem soaria loucura. – Respondeu ele deprimido olhando pra baixo, não poderia contar ser um viajante do tempo.
– Estamos no lugar certo, querido. – Comentou ela com deprimente sarcasmo.
Eles caminharam lá, a dentro, o que o fez lembrar quando quase sofreu de narcose temporal após ir parar num hospício num mundo onde os atentados de 11 de setembro não ocorreram e Elvis, um idoso, ainda vivia. Porém, caso entregasse sua missão e origem poderia levar a criar novas implicações de mudanças caóticas na linha do tempo.
Todavia, havia ficado impressionado que aquele não fosse o mundo em que o nazismo venceu a Grande Guerra Mundial num Reich de mil anos. A julgar pelos sintomas arbitrários por discriminação a qualquer pessoa que não andasse de acordo com os ditames dos dominantes era autoexplicativo. Assim ele agora sabia que estava na época e lugar certos, a procura de uma pessoa que tinha genes que nenhum dia. Na realidade um parente paralelo a própria espécie humana. Uma espécie sem origem, ainda que para ele sua explicação poderia ter respaldo numa dimensão paralela. No entanto, ele tinha que ser detido ao estabelecer relações extradimensionais duma hiperconsciência com pessoas similares doutra dimensão, o que geraria um dos raros seres dimensionais semideuses, ele se tornaria um homo omni. Pensou ele num modo de fugir quando então a senhora disse novamente.
– Aqui o melhor sempre é o que beneficia apenas os poderosos, eles podem fazer o que quiserem conosco. Estuprar, roubar, matar e mesmo sua calúnia tem poder para nos sepultar em vida, ainda que contra todos os fatos. – Comentou a senhora. – Deveria ter aceitado a mentira de que era uma ladra, porém, sabia que a esposa dele o roubou e apesar de não tê-la entrego poderia apenas ter sido demitida e voltar para favela mendigar, onde era meu lugar. O problema das pessoas aqui é não saber o lugar delas como não soube o meu. – Completou ela em sua lamúria de labuta.
Aquele lugar apenas poderia ser barato para estes caso seja caro para as vítimas, pois barato para elas é caro para estes!
A senhora era robusta e semblante sofrido, porém, ainda tinha um vigor de vitalidade ao dar risos espontâneos e soltos que traziam um fiapo de humanidade ao lugar. Havia recebido a proposta de trabalhar em Realengo, no subúrbio do Rio. Porém, a esperança de tentar melhorar de vida a cegou, segundo suas próprias palavras.
A noite caiu e o frio tomou o lugar. Haviam luzes oscilando enquanto mais alguns estavam sendo torrados a choque nas sessões de tratamento, tanto quanto estupros rotineiro. John Roberts não conseguia discernir qual gemido de dor era qual, pois tudo era um choque.
Em pouco tempo os que lá entraram davam início aos primeiros sintomas da infecciosa loucura que acometiam a todos pacientes lá encarcerados, o que levava os médicos a confirmarem seus laudos e diagnósticos por insalubridade mental e fisicamente higiênica gerida por eles mesmos, a loucura os possuíam ao serem taxados de loucos entre loucos.
– Olha, sabia que ele era um animal insano. – Falava um dos médicos ao ver o paciente surtar ante as circunstâncias.
Poderiam dizer mil vezes que não eram nazistas, porém, John Roberts sabia pelos sintomas que apenas poderia ser o nazismo.
Fora então que John Roberts ouviu um assovio num canto escuro e ao seguir viu um vulto negro enorme, ao discernir o semblante notou ser um conhecido rosto amigo, Max Zulu. Um negro de quase dois metros de altura que estava disfarçado de doido em vestes maltrapilhas.
– John Octavios rastreou você e conforme o planejado chegou ao destino da missão.
– Por qual motivo não me avisaram? – Indagou ele – Apagou minha memória.
– Não posso demorar pois irão perceber que sou invasor. Caso lembrasse o destino da missão este não seria atingido, tinha que parecer real. Tinha que seguir o fluxo do paradoxo. O que sabemos é que o alvo está aqui sofrendo experimentos escusos.
– Quem ele é? O que faço? Seria nesse mundo que minha versão brasileira, João Roberto, continuaria no Brasil?
– Foco na missão! Após muito tempo descobrimos apenas agora que havia desde o início um denominador comum a todas as variáveis por ser muito antigo, um imortal que deu origem a lenda dos vampiros. Surgiu do desvio dimensional terrestre mais antigo e gêmeo ao de outro multiverso similar.
– Será o mesmo ser hediondo e pálido que vi quando me fizeram refém entre os Templários? Ele parecia um vampiro ao fazer rituais sinistros iguais. – Perguntou Roberts.
– Suspeitamos disso desde quando me resgataram de um experimento décadas atrás, porém, apenas sondagens provaram ser verdade. Agora vamos! Siga a sala a direita, ao fim do corredor aonde estão realizando experimentos, e eles estão todos lá. Agora vá! – Completou ele dando um estabilizador caótico e comunicador numa pulseira.
John Roberts temoroso assim fez, seguiu fingindo demência pelo corredor ante ruídos de palavras sem nexo e grunhidos insanos de risos. Fitou a porta e dentro viu uma sala donde um projetor com filme super 8 mostrava experimentos nazistas com vampiros, o líder virou-se ante as luzes da projeção revelando ser o mesmo rosto do filme a gerenciar o projeto ao lado de Designnium! Ambos desprovidos de pelos pelo corpo como semelhantes. Ambos rostos familiares pra Roberts.
Nisso outros funcionários agiam como loucos rindo em meio o frenesi bestial enquanto uma mulher era estuprada ante um homem amarrado de pé, o que na realidade era para alimentar Ozak que lá estava escondido no experimento. Tudo como ocorria igualmente no vídeo! Eram loucos criando loucos, loucos sobre loucos!
A loucura era um condicionamento como duma caixa de Skinner baseada não em recompensas, mas castigos a choque, e quanto mais tratavam a doença gerada mais doentes ficavam. Como uma prisão que induzia os condenados ao crime para provarem que eram criminosos loucos. Nisso, o ser paralisado amarrado de pé tinha eletrodos pela cabeça quando Robert falou.
– Ozak é o nome do vampiro? – Murmurou ele assustado ao ver que como uma cebola, sob camadas, a verdadeira loucura estava ali escondida através da loucura alheia, loucura dos que apenas não se adequavam a sociedade por serem desajustados.
A loucura era dizer que a mesmice da repetição do passado na reprise de seus erros era visionária, pioneira e criativamente original, porém, a originalidade do inédito era apenas o recorde da repetição. O pedantismo deles era a própria mediocridade de se acharem o futuro por terem o retrovisor apontado pra frente, seu avanço era traseiro e a ré o futuro desconhecido que sabiam nada ter de bom pra eles. Não era o oposto deles que, na realidade, levavam o futuro ao passado, como os profetas a mensagem do futuro ao tempo deles, ou os visionários que conduziam ao futuro. Nisso um dos doutores interpelou dizendo sobre a cobaia.
– Há revelações lindas de contatos dele com outras consciências possíveis e elas sabem de nós! – Falou um médico ante os prantos de dor duma outra vítima. – Até escrevem sobre nós num mundo onde você será um Imperador das trevas! Nesse mundo há museus sobre os sublimes meios do sacrifício e dor necessárias para o progresso e conquista, o que mentes vãs não entendem. É lindo! Há até uma escola sobre os mistérios da loucura e tantas mais possibilidades da beleza do sofrimento em seu esplendor.
Ao ver isto John Robert acionou a pulseira e então comunicou.
– Localizei o alvo, está sob tortura com outros, é uma loucura! Eles apenas conseguem aceitar o progresso através desse negócio feio? Sabemos como seria o futuro com eles, será como o presente, pois o presente é como o passado. Basicamente eles trazem o passado para o futuro ao contrário de nós que apenas somos turistas no passado que visitamos.
Aonde quer que agissem através deles, todos negócios eram feios, pois a maldição é a seiva daquele poder sobre alheios.
Porém, John Roberts tinha que agir rápido e por isso ativou o anulador de consciência para faze-los desmaiarem a fim de poder libertar o prisioneiro submetido a experimentos como cobaia.
No entanto, Ozak parecia resistir aos efeitos da tecnologia neutralizadora de consciência e o fitou cerrando a visão, e ainda que caído no chão disse.
– Você! Desde os templários sabia que era verdade que você era um viajante do tempo! Mesmo séculos depois Designnium tentou esconder isso de mim, porém, sempre desconfiei!
Roberts o reconheceu igualmente, ambos sem terem envelhecido mais que uma década, ainda que Ozak após quase mil anos.
Roberts entrou virou-se e notou a adentrar Max Zulu que aproveitando a deixa e libertando as demais vítimas que estavam sendo molestadas e abusadas. Roberts notou que o homo omni ainda em letargia dava sinais de estar desperto enquanto ele fazia leituras genéticas e de suas frequências dimensionais.
– Estranho, ele parece dar sinais discrepantes em oposição ao afirmado por John Octavios. Como algo com mais de uma origem, como um filho igual que pode ter nascido de mães diferentes em possibilidades diferentes.
– Pode ser pela origem dele estar entrelaçada na mecânica quântica, com as demais versões dele noutros mundos. – Completou Max Zulu. Apesar de ser o especialista em segurança de missões de campo tinha uma introdução aprazível das ciências de engenharia dimensional. – Temos que libertar ele para um lugar seguro, senão esse séquito vai impor suas doutrinas espúrias aonde quer que ele vá. Isto objetiva destituir a randômica de seu destino para subverter as dimensões físicas.
– Soube daquele experimento do Moto perpétuo que deu origem a um gerador de randômica negativa, aquela dimensão acabou mal pela obstinação na corrupção.
Roberts pegou ele o colocando sobre o ombro e o carregou para fora da guarnição observando os gemidos e grunhidos dos apossados pela loucura.
Fora então que ele sentiu uma tonteira ao notar os sinais daquela cobaia parear com o dele. Assim ele entendeu que na verdade aquele ser com genes inéditos também era uma variável dele mesmo naquele mundo, ele era parte do homo omni e não sabia, porém, explicava a aparente narcose temporal e lapsos de memória! E aqueles monstros sabiam e tentavam usa-lo como arma para adulterar os destinos de todas possibilidades daquele multiverso!
Ao perguntar o nome dele ele contou ser também João Roberto, o que o deixou surpreso, pois nem todos setes variáveis tinham nomes parecidos, porém ao dizer que achava que tinha enlouquecido, estranhamente Roberts teve de concordar, pois se sentia da mesma forma, naquele lugar, uma embaixada da loucura.
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