Toda a noite ele acordava ruborizado ao sentar da cama rufando os pulmões num rememorar tenebrosamente traumático das batalhas viscerais que passou no Iraque ao desvelar centenas de civis mortos por uma guerra ilegítima e forjada em provas falsas de armas de destruição em massa. Mas das ruínas se fazia o império do petróleo e armas norte-americano, a pretextos democráticos e de libertação. Uma libertação que apenas deixava um rastro de destruição e morte num país que não mais se levantou novamente, mas antes apenas despertou terrores maiores.
O sargento Jones levantou-se e tomou outro tranquilizante, como veterano numa guerra indesejada viu bons de ambos lados morrerem, mas aquilo parecia diferente. Algo parecia novamente alterado na sua casa, o quadro de um azulão comprado no Brasil agora amostrava um canário. Uns diziam ser um sintoma da Síndrome da Guerra do Golfo, porém, ele teve certeza que aquelas aparentes alterações na realidade eram feitas por um demônio a que ele chamava de Bugman.
Onde haviam aquelas alterações bizarras como uma casa se tornar uma loja, ou uma garagem se tornar prédio ele enxergava a assinatura de Bugman, quando não o pegava como se ecoasse no vazio que era aquele mundo. O Bugman era cinzento, com asas negras e aparecia também anterior a tragédias. Era como uma sombra que assombrava por distorções e alterações negativas na realidade. Era como a lenda dos mothmans, os homens-mariposa.
Talvez ele estivesse enlouquecendo, ao menos era a probabilidade mais facilmente aceita entre cientistas como o suporte psicológico atestado como após a baixa nos marines. Porém, relatos similares de outros veteranos eram ouvidos nas terapias em grupo o que era uma coincidência berrante demais para relés alucinações de casos de loucura. Porém, tirando eles o que poderia reclamar sendo da nação vitoriosa sobre o mundo? O socialismo finalmente havia capitulado em Cuba, o Oriente Médio finalmente deixou entrar em seus países todas as políticas do imperialismo norte-americano e a China fechou o partido comunista num país onde para a glória progressista de neoliberais não apenas aceitava casar homossexuais nas catedrais católicas como agora os assumia em seu sacerdócio. Era a conjuração de todas as possibilidades de êxito americano encarnadas naquela realidade, o qual, no entanto, não parecia perfeita. Senão opressora, estranhamente.
– Algo me diz que a realidade não deveria ser assim. É como um pesadelo bizarro o qual não temos controle, mesmo quando rimos. Como se não existisse individualidade e livre-arbítrio individual.
– Isso faz parte do quadro clínico de sua doença psiquiátrica. – Comentou a psiquiatra para um dos veteranos sob os olhares de acuidade de Jones.
– Porém, por qual motivo apenas a gente percebe isso? Percebe coisas diferentes no mundo, como se tivesse sido alterado artificialmente.
– A mudança não existe senão na sua cabeça, George. O nome disto é loucura. – Respondeu a psiquiatra prontamente.
Ainda que respondido o silêncio que sucedeu era esmagadoramente cruel, como se estivessem eles sob a égide massacrante de algum poder que guiasse a todos, mas que a consciência alteradas deles fizessem perceber algo errado e artificial no mero discurso da psiquiatra e psicóloga naquela sessão de terapia quando aquilo terminou e todos saíram.
Jones conversou no bar por um tempo com a tenente que era de seu batalhão ao concordarem sobre os relatos em comum quando de súbito sentiram-se tontos. Os dois levantaram-se e saíram por de trás do bar quando fitaram algo inominável à credulidade de qualquer pessoa: o corpo de um casal gay fundido um ao outro, um mendigo que parecia ter atravessado o concreto restando apenas seu tórax pra fora e um membro de gangue que gemia com os braços presos atravessando o ferro da caçamba de lixo. Um senhor parecia ter perdido os pés preso no asfalto enquanto sua cabeça sumiu dentro da carroceria de um carro. Aquilo não poderia ser drogas, pois eles não usavam, e uma vez que a tenente Jasmine concordou com que viam simultaneamente sabiam que muito menos poderia ser o efeito do álcool ou da mera loucura.
Naquele momento ela correu ao acudir o membro o homem preso no asfalto que ainda gemia quando o sargento Jones pegou um papel caído no chão e que era escrito pelo filho dele. Ao ler em meio aos gemidos das dores lancinantes que o homem sentia ele viu.
Era uma vez um garoto o qual o diabo se dizendo Deus determinou: vou apenas te matar, roubar e destruir e nada podes resistir.
O garoto ouvindo isso riu e se alegrando então passou a adora-lo como Deus e colaborando com os crimes que impunha sabendo que nada adiantava. Ele é o Bugman, nosso novo deus.
Jones ficou aturdido e trocou as pernas ficando tonto ao ler aquelas palavras tenebrosas.
Todavia naquele momento um vento eclodiu abrindo um buraco no céu donde imanava uma luz branca com vários tons de prisma colorido dando lugar a uma mulher que ao descer em tons angélicos parecia reportar.
– Conseguimos localizar. Os divergentes parece estar despertos da anomalia dimensional.
Ao verem aquilo rapidamente Jones indagou.
– Quem é você? O que está acontecendo?
– Viemos tentar corrigir fusões dimensionais que tem acontecido há algum tempo. Parece que o experimento de alguns para brincar de Deus tem logrado êxito. Eles querem controlar todo mundo, pois quem controla o livre-arbítrio humano controla o tempo e o destino acima de qualquer probabilidade. – Respondeu aquela mulher identificando-se como Dayane Conrad, quando a tenente respondeu.
– Nem Deus é unânime para o ser humano, por qual motivo o destino seria?
– Diga isso para essas vítimas. – Comentou Dayane apontando para estas por toda parte e prosseguiu. – As fusões de sobreposição de matéria proibitivas aos preceitos físicos de que "dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo" tem explicação na sobreposição de limiares dimensionais como na mecânica quântica podendo gerar fissuras dimensionais que venham se tornar portais e brechas, ou meras divergências dentro de uma própria linha de tempo. Uma vez que cada dimensão tem suas leis físicas a sobreposição indica a aparente discrepância por isso, como exemplo de aparentes rupturas como das leis da termodinâmica. Mais fácil o mesmo corpo ocupar dois espaços ao mesmo tempo do que o contrário. Pode ter certeza que há dimensões inferiores que vocês não irão querer conhecer. Mas alguns de lá assombram esse mundo. Cada qual com seu pesadelo.
– Quem está causando isso? – Indagou Jones perplexo com todas aquelas revelações.
– Anomalias eventualmente ocorrem quando levam a tais rompimentos intencionais ou não. Um desses é um megalômano desse mundo que possuindo um ego tão massivo e grande que passou acreditar que poderia matar, roubar e destruir que ainda assim estaria certo e em seu direito ao estar acima da lei e do certo e errado e se achando dono da razão e verdade, e a medida que ganhou poder em sua auto-alegada superioridade gerou uma fissura dimensional que deu lugar a isto, o Egoverso. Um mundo onde cada um fica, quer, faz e pode o que apenas estes egonômalos desejam.
– Como assim? Estamos dentro da mente de algum psicopata?
– Na verdade é a mente dele que está em tudo e nesse egoverso ele é o Deus supremo, um arquiteto dimensional implacável e sádico que cria vidas apenas para torturar e destruir afins de seus próprios deleites. Nesse "universo" toda verdade que ele odiava se mentira, e todo seus desejos mentirosos e criminosos verdades absolutas, adultera formas e vidas a seu bel prazer quando este não gostava ou meramente discordavam. Há apenas um Evangelho, o da arbitrariedade entorpecente de sua vontade egoísta contra toda lei e verdade. O que agora acontece é efeito dessa aberração prestes a implodir tudo.
A mulher então parou e mexendo em sua pulseira parecia fazer ajustes que influenciara a realidade como se criasse ondulações até ficarem novamente tontos e caírem apagados. Ao acordarem sendo acudidos notaram que tudo parecia ter voltado ao normal e ao perguntarem o que acontecera, todos negaram, talvez todo aquele egoverso não passasse disso, loucura.
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