Desde o começo tive muitos nomes, em muitas línguas, em diversas culturas e sociedades. Muitos me tinham por ídolo, lenda ou deus e naquelas cidades não menos, como senhor da fertilidade. Dos coitos e aspersão de sangue no solo pedia por esses sacrifícios em troca de meus favores, por uma sabedoria sombria adquirida desde o fundamento do mundo, ulterior e anterior mesmo aos povos hebreus. Sou a desventura que a revelia dito o que pode ou não, ao sabor de meu desejo. E em Sodoma meus sopros maliciosos iam de vento e popa, mulheres nascidas apenas para cultuar o coito por mim sacramentado, e seus filhos como desgraçados com seu sangue derramado. Era da mentira de minha mente a semente da desonra que germinava sob os auspícios do labor de meus conhecimentos de agricultura numa terra árida. Donzelas e moços louvavam a ereção imortal de minha Ascenção, sem saber o destino agridoce de minha vida de deleites e facilidades licenciosas ao explorar aquele povo que subjugava estrangeiros e os seus a violência do pênis, em meu nome. Isso até o dia que um homem veio até a minha pessoa falando de visitantes estranhos.
– Estão na casa de Ló, mas destes não temos nem o pó. Os estranhos tem poderes que tememos, ora. Fitamos a chegada de mais estranhos, em roupas esquisitas e profanas. Com aparatos que lançam luz e parecem observar tudo após afirmarem ser nossos dias derradeiros.
– Soube desde os tempos imemoráveis do mal primordial donde meu poder vem, que haveriam estranhos a todos povos, assim como lendas e deuses comuns a todos eles. Faça o que digo, sacrifique uma virgem e pegue os manuscritos de minha pura doutrina do prazer da injustiça e dor que lhe dei, e passe ao mais puro mancebo, pois sendo os estranhos que penso sua bondade lhe darão passagem.
O sacerdote falomante, nome dado àqueles que dirigem os cultos de vidências falocêntricas em seu teatro de orgias de sangue e gozo, deixou a fronte do dito deus o qual apenas sodomitizados por três dias seguidos poderiam fitar, e ser diretos subordinados com privilégios. Procurou o mais ingênuo dos meninos de Gomorra, e pensando os pais serem para mais um ritual orgiástico ou de morte, os entregou esperando as graças do deus que lá habitava.
A falomância era um estado do qual os seguidores do terrível deus teriam poderes de conjurar maldições durante o coito sacrifical sob efeito de ervas e gases entorpecentes, tal como fazer maldições e adivinhações. Todos os dias donzelas me eram oferecidas para me deliciar entre outras coisas. E conjuravam a prosperidade comercial e o sofrimento e morte dos que não compartilhavam da mesma crença.
O ato fora feito e o menino enviado até que nas bordas da cidade fora parado ante um clarão que devorou aquela terra maldita por sofrimento, injustiça e violência. Os estranhos viajantes viram a inocência do menino que incólume teve a piedade dos observadores que estavam horrorizados com o que havia na cidade e seu fim.
Dias após entre as cinzas da cidade me ergui das ruínas do templo falomântico, como um ser que espumava ódio em saber que seu culto falocêntrico de adoração sádica a meu pênis e de meus sacerdotes fracassara, mas inesperadamente uma mão se estendeu pra mim, o menino por mim enviado. Ele sorriu sem saber de seu fim amargo e doloroso para me saciar até virar meu testemunha e porta voz as próximas cidades. Por uma sina do destino fui salvo para apenas condenar alheios a misérias mil, para apenas trazer minha semente da libertação dos grilhões do justo, a palavra das vãs torpezas que pelas dores e injustiças alheias nos trazem privilégios e vantagens!
Ao terminar de ler esse texto o frade Ash Ethel ficou consternado. Não sabia ser um apócrifo deliberado afim de envenenar a religião cristã, distorções a cada transcrição de escribas ou traduções sumérias equivocadas. Poderiam ser um pouco dos três, todavia a medida que alguns apócrifos contradisseram o cânon e a doutrina deles, aquele parecia se enclavinhar ao mal puro que os cristãos advogavam combater e que muitos insistiam em dizer serem desvios de caráter. Toda sua pesquisa sobre a antiguidade do velho testamento parecia ter chegado a um empasse, seria aquele o próprio diabo ou um de seus emissários? Que deus seria?
Ash lia ao tremular da vela quando um vento tenebroso trouxe algo do trevoso ao apagar sua luz. O estupor lhe fez gelar as entranhas quando ouviu passos dentro daquela biblioteca do monastério em Galiza. Resmungou ao nome de Deus esfregando o crucifixo em seu pescoço e lá fora ouviu o latir de cães do inferno uma vez que eles não tinham tais seres lá. Logo subiu seu confrade Thorn Wynn com uma lamparina, seu amigo e irmão de fé levantou o hábito para não tropeçar tal como a seus votos de fé e iluminou Ash atemorizado.
– Algo pulou o portão e cães negros surgiram do nada. Uma matilha que matou uma camponesa a nossa porta!
– Não era você aqui? – Indagou Ash. – Ouvi passos.
Wynn acenou em negativa com a cabeça.
– Desde sua condenação ante o Cristo o diabo e os seus são obrigados a andarem apenas em trevas como suas obras. Escondem seus cultos e crimes contra Deus e os homens. Vamos descer procurar os confrades Yogh.
Os latidos haviam cessado e o silêncio agora ensurdecedor era tão tenebroso quando as trevas que lá haviam. Ampersand Yogh fitava o corpo da jovem camponesa empoçada em seu próprio sangue do lado de fora do portão do monastério. Ash Yogh, seu consanguineo se aproximou subindo com os dois confrades, Ash Ethel carregava o pergaminho profano e anotações.
– Algo que você leu atraiu forças das trevas, Ash. – Comentou Ampersand. – Há palavras que nunca devem serem ditas ou lidas, a inomináveis o qual a nominação é abominação e destruição!
– Apenas lia o Livro Perdido de Gomorra, quando isto ocorreu.
– Muitos sacerdotes se apostataram por menos! – Murmurou Ampersand quando fora interrompido.
– Pelo Verbo que se fez carne! Por qual motivo o silêncio nos sobre caiu após esses gritos e latidos? – Perguntou Thorn Wynn.
Antes que alguém respondesse, eles ouviram um sussurro junto a um vento sinistro.
– Entregue meu livro, Ash, um dia montarei minha biblioteca, ou beberei o sangue de vocês. E caso fujam, os cães do inferno os perseguirão de cidade em cidade trazendo destruição e miséria.
O trevoso via no escuro sua luz, assim como de sua obra má o salário era da injustiça alheia.
– Lancem luz sobre este! Em nome de Jesus! O mal não pode resistir a revelação, a verdade e aos fatos ante todos!
Ao jogarem a luz apontando as cruzes sobre este, dentes como presas e unhas como garras desvelaram um parecer pálido que agora tremulava junto ao trepidar das luzes da lamparina de azeite. O demônio esbelto e sem pelos pelo corpo, vestia um capuz preto e num só golpe lançou longe Thorn Wynn contra um escudo do monastério e caiu morto com seu corpo contorcido. Ash Ethel tremeu nas bases enquanto os irmãos Yogh rezavam o pai nosso com suas cruzes. Mas ele avançou pondo as mãos na frente do rosto temendo a cruz.
– Vocês querem brincar comigo? Criancinhas! – O ser então gargalhou e se esgueirou sumindo tão súbito quanto apareceu.
Os três monges correram deixando o corpo de Thorn jazido no alto da torre. Desceram e aos gritos tentou acordar todo monastério, mas o que viram era desolador. Haviam corpos por todos os lados, todos haviam sido mortos por cães pretos que haviam invadido o lugar.
Ash deixou cair as sandálias e pisando nas poças de sangue dos corpos estropiados correu para o portão.
– Fuja confrade! E leve o livro e mensagem do que aconteceu aqui! – Vociferou Ash Yoght quando um cão negro enorme saltou sobre ele dilacerando seu braço.
Ruborizado o frade Ash Ethel abriu o espesso portão de madeira de modo penoso e pesaroso. Carregando suas anotações saiu correndo com os papéis noite a dentro, em meio aos gritos e latidos.
O homem de hábito correu deixando pegadas de sangue para que encontrassem seu caminho e aonde seus pés lhe conduziram, sabendo que aquele monstro implacável queria devorar-lhes ao âmago!
Havia uma taverna donde o beco adentrou e também ferido sangrava e suas pegadas aumentaram até cair no rubor, exausto. Escreveu trêmulo nas penas palavras derradeiras. Respirando fundo e ofegante ouviu então um bafo tenebroso por de trás dele e lhe disse das sombras.
– A maldição se fez carne e habitou entre nós, tornando todos vossos bons atos em boatos do oposto. Queria apaga-lo, Ash Ethel, para que a maldição nas roupas do oposto se travestisse. Devoro vidas e sonhos, como memórias e salvação!
O homem morreu. Fora encontrado apenas no dia seguinte por um bêbado do vilarejo que estupefato achou ser apenas um delírio etílico seguir pegadas de sangue. O homem jazia de olhos esbugalhados abraçando os escritos que foram tirados, a salvo as cartas de seus estudos e o alarde derradeiro que narrou o que julgava ser uma assombração da loucura.
"Um devorador de sangue veio se fortalecer de nosso sofrimento e lamento. Se alimentar do medo e do ódio, por seu sombrio poder da dúvida. Mataram todos no monastério."
As autoridades consternadas ao lerem aquilo investigaram e para sua surpresa os monges que agora nunca mais saiam ao Sol os atenderam apenas a noite, dizendo que o monge havia apenas enlouquecido ao ferir a si mesmo após usar ópio demais. Thorn riu de modo zombeteiro e pálido fez eles notarem que todas as cruzes haviam sumido, menos uma que estava de ponta pra baixo.
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